As chapeuzinho vermelho

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por mariam pessah

             Era uma vez uma menina que estava cansada de ouvir o que tinha de fazer e como devia fazê-lo. Ao mesmo tempo, via como as moças bem comportadas eram chatas e sem energia para a vida. Ana estava virando mais uma garota que só olhava para o chão. Triste. Por isso, algumas empresas tinham tido a grande ideia de colocar entre o chão e os olhos, um aparelho celular. Mas, isso para ela não mudava muito. Queria algo a mais que não sabia como definir, pois ainda não o conhecia.

           Um dia cansada de enxergar o mundo cinza, aborrecida com as cinzas do cotidiano, foi em busca de cores, de amores. Saiu a caminhar pelo bosque. Sim. Escapou-se dos olhares adultos e foi em busca da vida proibida. Sentia-se feliz entre as árvores, ouvindo os passarinhos que na cidade só ouvia tossir pela contaminação ambiental. Começou a descobrir novas sensações, por exemplo, que ela sabia e podia sorrir. Olhava as plantas, sentia o oxigênio que elas lhe proporcionavam e isso lhe dava uma liberdade imensa.

          Seguiu caminhando para conhecer o outro lado. Até que lá, longe, viu uma mancha vermelha, um círculo no meio do mato. Aproximou-se mais ainda e descobriu que eram umas moças reunidas. Já de mais perto os seus olhos não acreditavam no que enxergavam. Mais se aproximava, maiores ficavam eles. Muitas, mas muitas garotas estavam juntas numa ronda, cantando. Uma hora, uma delas viu a Ana e foi ao seu encontro:

          ― Oi! ― Falou com um grande e belo sorriso. ― Seja muito bem-vinda! Gostarias de entrar no nosso círculo?

         ― Sim ― respondeu ela com uma vozinha quase imperceptível.

         Ao findar a canção, sentaram-se todas na grama, tomaram-se das mãos e deram-lhe as boas vindas. Começaram a contar como cada uma delas tinha descoberto às outras e assim foram se reconhecendo. Elas, todas, eram as rebeldes, as mulheres que tinham cor na alma e não cabiam na vida cinza de lá fora. Por isso, quando estavam reunidas, vestiam-se com uma capa vermelha e um capuz, a cor da rebeldia, da raiva, do sangue vital.

        Aos poucos, Ana começou a ver que eram mulheres de diferentes idades e etnias. Não era de um tipo só, pois as cores internas são humanas e vitais, comuns a todas as mulheres.

       Esse dia voltou pra casa correndo de felicidade. Quando estava nesse estado, que tão pouco conhecia, estendia-se por todo o seu corpo: ela sorria pelos pés, cantava com os joelhos e brincava com os olhos.

      Como fazia ela para não gritar e contar para todas as pessoas que, pela primeira vez, sentia-se viva? Mas não podia. Agora, Ana fazia parte de uma organização secreta. Só podiam fazer parte dela mulheres, e, dentre elas, as que chegassem ao lugar sem ter falado com ninguém, isso significaria que teriam sentido o chamado da rebeldia dentro dos seus próprios corpos.

       A vida e os dias começaram a mudar. Ana continuava indo à escola e fazendo rapidamente os deveres de casa para, o quanto antes, poder se juntar com a sua turma. Com o tempo, ela ganhara a capa. Foi assim que no bairro, foi apelidada de Chapeuzinho Vermelho. Ela ria e adorava que reconhecessem ela pela sua cor.

      Mas nem todo foi sorrisos. Aconteceu que um dia, Chapeuzinho Vermelho estava chegando ao bosque quando sentiu que um homem a seguia. Decidiu desviar-se do caminho e viu que o adulto fazia o mesmo, enquanto disfarçava que comia frutinhas duma árvore. Ela chegou a ver o seu olhar ameaçador. Dor. Ela chegou a senti-la. Foi assim que começou a correr. E o homem começou a correr. Ela corria mais e mais. O homem corria mais e mais. Ela começou a gritar:

     ― Ajudaaaa, preciso de ajudaaaaa.

     As companheiras ouviram os gritos e se fizeram presentes. Em quanto iam chegando, iam olhando ao homem, direto aos olhos e iam cercando-o. Ele começou a recuar, mas só um pouco, pois sabia que elas, eram "só mulheres". E as mulheres são bichinhos indefensos. Isso ele que achava.

      Até que ele caiu na real. Viu que todas elas vestiam a capa vermelha. E foi de repente que viu que algumas a abriam e de dentro, tiravam um machado de dupla lâmina. Aí sim que ele ficou assustado, não apavorado, e começou a uivar de medo.

       O homem chegou na cidade gritando o que tinha visto. As pessoas trataram-no de maluco. Mulheres de vermelho, armadas? Repetiam e davam risadas. Um senhor tentou aproximá-lhe a palavra de Deus, outro queria chamar ao Samu. Mas, como sempre, houve algumas pessoas que ficaram curiosas. Mais de uma começou a ir em direção ao bosque, mas não viam nada. Todavia, sempre estão esses homens que têm a maldade neles. Esses sim chegavam com o seu ar destrutor. Mas o bosque pertencia a elas. Às árvores, às plantas e às mulheres. Era um lugar de poder.

        Quando chegava um deles, elas entravam em ação. Foi assim que começaram a chamar esses homens de lobos, pois todos eles depois de encontrar-se com elas, mas todos, sem exceção, saíam uivando. Diz a lenda oral que foi assim que o medo começou a mudar de lado.

      Chapeuzinho Vermelho ficou muito próxima de uma mulher mais velha. Uma xamã. Ela começou a ir na casa dela, visitar quem agora seria sua mentora. Ana não podia revelar todas as verdades que estava descobrindo, contudo, algumas coisas contava para sua mãe. As duas começaram a falar em código e diziam que a Chapeuzinho, ia ao bosque visitar a sua vozinha e levava-lhe comida.

     Esta história, que mais é uma herstória, não termina aqui, não tem final. Tem só o começo da revelAÇÃO. 

As chapeuzinho vermelhoWhere stories live. Discover now