Uma criatura rancorosa

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"Fazia três meses que Ramiro havia saído para comprar uma fruta para a esposa grávida. Porém ele não voltara. Claro que deveria estar escondido ou ter fugido com algum amante."

Deise, sua esposa não acreditava nesses boatos, mas seus amigos mais próximos e parentes eram cruéis com ela, por essas pessoas era chamada de tapada e diziam-lhe que não enxergava o traste com quem se casara. 

Há uns anos desde que ele se endireitou, tornou-se o braço direito do pai na olaria, um marido calmo, dedicado e quem sabe seria um bom pai. Ela é quem convivia com Ramiro, sendo a única que poderia atestar seu novo comportamento. Foram os dois juntos que sofreram a perda de dois bebês recém-nascidos e que também tentavam superar esse golpe da vida. Por ele, ela tentou de novo e pela terceira vez, entrou no oitavo mês. 

Se por um lado a família dela estava "ajudando" com pedras e lama sobre Ramiro, a família dele estava desolada. Dona Vera, a mãe dele sofria duplamente, pela incerteza do que lhe acontecera e pelas acusações que lançavam sobre seu filho desaparecido. Ela também ficou sabendo sobre o estado em que Rafael fora encontrado e se questionava: "será que meu filho seria capaz de assassinar alguém?"

O pai de Ramiro conseguiu convencer a mulher a desligar-se um pouco das notícias, não assistir o jornal local e conversar menos com as vizinhas e Deise tinha cuidado com o que falava com a sogra, pois aquela mãe estava muito fragilizada. Logo Deise, percebeu que estava sozinha com toda aquela carga, pois seu companheiro havia simplesmente sumido.

...

Sempre houve expectativas em cada gestação. Tristeza era o que vinha a seguir. 

Seu primeiro filho era menino, chamaram-lhe de Danilo. Como foi emocionante apreciar seu rostinho adormecido, tão redondo e tão gordinho. O bebê era muito calmo e placidamente dormia no leito infantil ao lado da cama da mãe do hospital. Deise estava exausta, demoraram tanto para lhe atender que o médico comentou que seria necessário o uso do fórceps. Em momentos, ela achou que morreria, pois fora muito judiada.

Nada mais importava, apenas olhar seu filho compensava o sofrimento.

"Ramiro lhe trouxera algumas flores, frutas e doces, sem saber que não era permitido aquele tipo de alimento a recém mãe. "

"— Meu Deus... como ele é lindo. Ele... posso segurar, só um pouco? —  Ramiro pegou seu filho com cuidado e medo de machucá-lo. A emoção que tomou conta dele foi estranha, aquele pai chorava convulsivamente."

"— Chorão esse pai... Ramiro...Ramiro, o que houve? Ramiro, está me assustando, pare de chorar."

"— Deise, o bebê... ele não respira, não chora... não está..."

— Não... o que ele tem? Ramiro, nosso filhinho está bem, o doutor me disse que o parto foi difícil, mas ele está bem. Ele... ai Deus... não faz isso comigo."

...

Ramiro supervisionava e trabalhava na produção. A olaria da família estava vendo dias cada vez melhores, pois vendavais e enchentes danificavam por demais as casas de madeira, logo as novas se utilizavam muito mais de concreto e dos tijolos.

Um ano se passou e ele tinha um dia calmo no seu trabalho. Naquele dia, recebeu uma ligação no meio do expediente e seu pai deu um grito para lhe avisar. Ramiro correu até a saleta onde funcionava um minúsculo escritório, pegou o telefone vermelho que ainda funcionava a discagem e descobriu que a bolsa havia estourado e Deise foi levada por um vizinho ao hospital.


"— Sinto muito, Deise, mas seu bebê não resistiu..."

"— Doutor, o que houve com meu bebezinho? Onde está minha médica, aquela que cuidou da minha gravidez. Doutora Beatriz nunca me disse que tinha algo errado comigo."

O Papai UrsoOnde histórias criam vida. Descubra agora