Carlos Eduardo - Minha professora não esperava me ver na porta da sua casa

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─ Carlos Eduardo? – Minha professora não imaginava me ver na porta da sua casa. Ela levantou as sobrancelhas, mas me deixou entrar.

Dona Eleonora era a única pessoa em que eu conseguia pensar para me ajudar. Eu estava aflito. Saí da academia não sei nem como. Quando dei por mim, estava diante do novo endereço dela. Inquieto, não hesitei, toquei a campainha e pedi para chamá-la.

O beijo de Bruna mexeu demais comigo. Ela estava brincando, me provocando, me testando. E eu, como sempre, estava caindo na brincadeira. Mal conseguia respirar depois que ela deixou a sala.

─ O que está acontecendo, Kadu? – Dona Eleonora me ofereceu uma xícara de café. – Você parece nervoso.

Expliquei tudo quanto vinha se passando. Do baile funk ao beijo, passando pelas fotos e pelo carro. Dona Eleonora ouvia com atenção. Ela sorria tranquilamente como sempre.

─ E então, Kadu, meu querido, você está com medo de quê? – Perguntou.

─ De tudo.

─ Foi o que eu tinha imaginado. – Abriu ainda mais o sorriso.

─ A senhora me disse centenas de vezes que relacionamento entre parceiros não é uma boa ideia. Que o sentimento passa e junto com ele vai a parceria.

─ Certo, meu querido. Não é bem assim. – Ela afagou meus cabelos. – Primeiro, respire. Nervosismo não vai ajudar em nada. Vamos, coma uns biscoitinhos. – Eu obedeci. Enquanto isso, ela caminhava pela sala. Analisava as plantinhas. – Você tem medo de que Bruna esteja realmente interessada em você? É isso?

─ Duvido que ela se interesse por mais alguém nessa vida além dela própria. Quando estou com Bruna, tudo é sobre ela. Ela é orgulhosa, egocêntrica e leviana.

─ Certo. – Ela me interrompeu. Nunca gostou de ouvir ninguém falando mal de outra pessoa. Para falar a verdade, nem eu gostava de falar mal de Bruna. – Se ela está só brincando, seduzindo como ela faz com todos, manipulando, você não tem o que temer, Kadu. Você descobriu o segredo. Ela logo desistirá.

─ Improvável. Ela não desiste nunca.

─ Outra teimosa? – Lançou-me um olhar significativo que ignorei. – Bom, então, temos que pensar um pouco... Para que ela faria isso?

─ Para brincar comigo. Ela já fez isso antes.

─ Mesmo? – quis saber com curiosidade.

─ Sim, no baile funk. Quase nos beijamos, logo depois ela viajou com o namorado.

─ Mas, se a brincadeira não surte efeito, por que ela continua? Não faz sentido, você concorda comigo? – Colocou a mão no meu ombro.

─ Bem... Talvez surta algum efeito... – Admiti.

─ Você gosta dela, Kadu?

Essa, definitivamente, era a pergunta mais difícil que já tinham me feito na vida. Eu detestava o jeito imprudente e mandão da Bruna. Detestava o fato de que ela nunca me escutava sem dar opinião e só fazia o que queria. Mas, ao mesmo tempo, eu sentia uma coisa totalmente diferente do lado dela, como se eu conseguisse ser eu mesmo, ou ainda uma versão melhor de mim.

Não respondi à pergunta. Dona Eleonora sorriu e continuou a falar.

─ Vamos trabalhar com a hipótese de que talvez você goste dessa menina... – Eu abaixei a cabeça para que minha professora não visse a minha vermelhidão. – Será que o que o atormenta não é justamente o fato de que você também gosta dela e ela pode estar brincando com os seus sentimentos? – Eu continuei calado e de cabeça baixa. – Você é uma pessoa tão reservada, Carlos Eduardo. Será que não está na hora de se desafiar? Será que não está na hora de enfrentar o seu maior pesadelo e perder o controle? – Ela segurou meu rosto e me encarava nos olhos. – Você se desdobra para dar conta de tudo, para colocar tudo no lugar. Suas coreografias são impecáveis. A marcação do ritmo perfeita. Exatamente como as batidas da minha bengala no chão. Mas e quanto ao estilo livre?

─ Nunca fui bom nisso.

─ Talvez seja a hora de aprender. – Ela sorriu. – Você sempre foi um garoto muito esperto. Mas deixa eu te dizer uma coisa que eu acho que você, em algum lugar aí dentro, já sabe: vocês dois dançam lindamente juntos. Sem sombra de dúvidas, as apresentações aos domingos são as suas melhores danças. Você sabe o que isso significa?

─ Faço ideia... – Eu não queria admitir aquilo que no íntimo eu já sabia. Ela também não insistiu.

─ Eu só dancei assim na minha vida com uma pessoa... – Ela suspirou saudosa. – E, para falar a verdade, por mais difícil que tenha sido tudo que passamos juntos, eu não trocaria toda a precisão do mundo por uma dança daquelas. – Ela deu uma risadinha. – Mesmo com uma pisada no pé de vez em quando...

─ E a academia? E o concurso? E... – Retomei o assunto que me deixava nervoso.

─ Kadu, faça-me o favor de não inventar mais desculpas. Não para mim. – Ela foi severa. – Escolhi você para representar a academia porque reconheço o seu talento, sei do seu compromisso. Você não seria capaz de nos deixar na mão por qualquer coisa. – Não tirava os olhos dos meus. – Está ciente disso, não é?

─ Estou, dona Eleonora. Por isso mesmo estou pedindo o afastamento do concurso. Quero ser substituído.

─ Kadu, eu não falei isso. – Ela veio se sentar ao meu lado. – Não precisa ser assim. Você está sendo covarde.

─ Professora, estou sendo sincero. – Revidei severamente. – Se eu perder o controle com Bruna, nós vamos nos machucar. Ela me tira do sério muito facilmente. Estou quase lá. – Respirei fundo para me controlar. – E, desse jeito, a academia vai pagar o preço da minha irresponsabilidade. Antes que isso aconteça, eu quero sair.

─ Você vai mesmo fazer isso? – Ela duvidava. – Vai abrir mão de uma experiência que te faz tão bem por medo de encarar o desconhecido? Por medo de fracassar? Por medo de perder o controle? Não estou te reconhecendo. Pensei que você fosse determinado como o tigre nas suas costas...

─ Eu preciso fazer isso. – Quase implorei.

─ É uma tolice, meu bem. Não adianta fugir desse tipo de coisa como um gatinho acuado. Isso vai martelar na sua cabeça noite e dia até que você tome uma atitude.

─ Relacionamento entre parceiros não são uma boa ideia. – Eu teimava. – Assim que Bruna aprender essa lição, ela vai parar de brincar e levar a sério...

─ E quem é você para querer dar uma lição nessa garota? Você a está abandonando...

─ O Serginho vai dançar com ela. Eles já se conhecem. Bruna tem aulas particulares com ele. Os dois se dão bem. Ela estará em boas mãos...

─ Você pensa em tudo, não é? Menos em si mesmo. – Ela parou por um instante para pensar. Recuperou a placidez habitual e disse de maneira conciliadora. A forma de falar que me impede de recusar qualquer desejo dela. – Carlos Eduardo, não quero que você saia da competição, mas tampouco vou teimar sobre algo que você já sabe ou deveria saber sobre o verdadeiro sentido de uma parceria. – Ela respirou fundo. – Estou lhe pedindo que você dance com a Bruna mais essa fase da competição. Isso nos dará tempo para pensar. Se depois do Tango você ainda quiser sair do concurso, não farei objeção.

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora