Episódio 6

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No episódio anterior:

- Valadão anuncia fim do mistério: A assassina é a viúva;

- Floribunda se desespera ao saber das acusações contra sua amiga;

- Alcione faz proposta indecente a Ludmárcia.

Nossa doce heroína, desde que começara esse interminável folhetim, ou mesmo antes, nunca havia sofrido tanto. Literalmente crucificada, os braços, amarrados na cabeceira da cama, já estavam meio azulados, dormentes, insensíveis e, de vez em quando, ainda se retesavam em câimbras medonhas. A barriga, de fome, já estava grudada no espinhaço, quase três dias sem comer. A boca e a garganta, secas há dias, nem lembravam mais o gosto d'água. A sensação térmica do quarto fechado era comparada à que sentiria uma pessoa trancada num banheiro químico no pingo do meio-dia de um dia ensolarado de verão em Teresina. O mau-cheiro do quarto era insuportável: urina, suor, sujo, mofo, cimento e outros odores insuspeitos, tudo mesclado no bodum infernal. Mas de todos os sofrimentos, o pior era uma terrível coceirinha naquela região do corpo feminino que não pega sol, naquela situação, suado e ardido, há dias, e que fazia a infeliz se contorcer toda nas piores agonias.

– Eu tenho que escapar desse inferno o quanto antes, senão esses dois psicopatas me matam. – Gemeu baixinho.

Sabia ser inútil, pois já tinha tentado um milhão de vezes escorregar a mão pelo nó apertado das cordas até se soltar, mas naquela situação extrema, não tinha alternativa, tinha que continuar tentando. Forçou o braço para baixo o máximo que suas mirradas forças suportavam e, quando já estava quase se obrando toda, a corda cedeu e a mão escorregou livre, pesada, azulada, insensível, dormente e solta. Mas aquele milagre já era de se esperar: uma corda por mais grossa que fosse, sempre acaba cedendo, além do que os bracinhos da sequestrada afinavam dia a dia e já estavam quase transparentes.

Depois de respirar fundo, não tão fundo, porque o cheirinho do quarto não era dos mais agradáveis, e de desamarrar a outra mão, com muito sacrifício, a primeira mão solta insensível e desobediente, a pobre da sofredora tentou levantar-se da cama. Não deu nem um passo. Tão fraca estava e tanta fome passara esses dias que, assim que se pôs em pé, deu uma piloura e se arriou no chão, tal qual uma sapota madura, inconsciente.


Enquanto isso, na sala ao lado, Lucrécia e Alcione corriam, ele atrás dela, em volta de uma mesa gasta, encardida e de pernas bambas, que servia de móvel principal do casebre clandestino.

– Eu te pego, desgraçada! Te arranco os olhos, a língua, te esfolo e depois te mato.

– Ui! Hahahaha! Cada dia fico mais apaixonada! – Escapou das garras do amante por um triz. – Ui! Ai! Essa foi por pouco.

Cansado daquela brincadeira idiota, sentindo-se o mais infeliz dos homens por ter se metido com aquela jararaca, Alcione parou um instante para tomar fôlego e, quase chorando, suplicou:

– Diz que é mentira! Diz que tu não desgraçou nossa vida, cão dos infernos! Diz que não fez essa merda e jogou para sempre a gente na cadeia.

– Cadeia por quê, ora bolas? E por acaso é crime sequestrar e maltratar a própria irmã? E o direito de família? E os direitos humanos?

– Meu Deus do céu, me segura se não faço uma arte com essa infeliz!

– Escut'aqui, ô banana de pijama! Fiz sim! Pedi o resgaste, ora merda! Afinal de contas, estou fazendo despesas do meu próprio bolso! Vou bem sustentar agora aquela beleza e não ganhar nem unzinho por fora! Rarrái! Só o que me faltava!

A morte não precisa de convite.Where stories live. Discover now