Passagens Sombrias

Desespero

Não fosse o acontecimento de hoje, eu não me importaria de terminar o dia sentado sozinho no interior dessa modesta igreja. Apesar de já ter dois filhos e um casamento fracassado, hoje tinha tudo para ser o dia de uma grande mudança na minha vida. Para falar a verdade, talvez tenha sido, mas não exatamente como imaginei.

Meu maior desejo nos últimos anos vinha a ser, cada vez mais, esquecer minha ex-mulher sem esquecer minhas duas filhas. É verdade quando dizem que nos amamos. Joana foi muito importante na minha vida, mas não há mais porque manter contato com ela, tendo em vista que da mistura do que nossos espíritos emanam, apenas geram-se sentimentos ruins.

Cada um de nós lidou de um jeito com a situação. Minhas filhas, Brenda e Ashley, de 19 e 17 anos respectivamente, aprovam meu segundo casamento. Os jovens tendem a ser menos conservadores quando se diz respeito a casamentos com diferenças etárias grandes, como estava para ser o nosso.

Como nem tudo são flores, Joana dizia não gostar da relação com minha noiva Clarice. Dizia que eu estava sendo "moleque", ela costumava usar muito essa palavra. Na verdade, eu sabia que não tinha a ver com a idade e sim com ciúmes. Joana costumava dizer que tudo que eu queria era esquecer minhas filhas e não enxergava que eu queria esquecê-la.

Agora que você entende um pouco sobre mim, posso contar sobre o dia de hoje.

Dia 23 de março de 1987, dia do grande momento da minha vida, dia no qual eu, Bruno Nestor, acrescentaria mais um nome ao meu atual. O dia do meu casamento com a mulher que eu julgava e ainda julgo amar verdadeiramente. O dia de selar minha eterna relação com Clarice Charlton.

Vocês provavelmente se perguntam o porquê de eu estar sozinho nessa igreja enquanto deveria estar tendo uma noite dos sonhos.

Minhas filhas foram deslumbrantes ao casamento e bati em um amigo durante a festa por mexer com Brenda. Talvez isso tivesse sido um grande problema, algo ruim para tentar esquecer, mas isso foi também facilmente tornado irrelevante pelo que aconteceu em seguida.

Quatro convidados desfaleceram. Depois, mais dois e, enquanto recebia a notícia que o desmaio que havia ocorrido havia sido para leito eterno, vi também Ashley caindo, quase que em câmera lenta. No total foram 47 vítimas, entre elas, minha esposa Clarice, meu irmão caçula Michael e minha filha Ashley.

Legistas descobriram que o ponche havia sido envenenado da maneira mais fútil e pouco brilhante, afinal, Joana nunca fora acima da média.

Seu final? Ela suicidou no banheiro, cortando a garganta com um pedaço do espelho, após perceber que tinha ocasionado a morte da própria filha.

Agora me restam memórias de um casamento de poucas horas e uma vida pintada em tons de cinza e preto.