Sangue Fresco

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A neve caía lentamente naquela fria manhã de inverno, as folhagens dos altos pinheiros se mexiam em harmonia com o sussurrar do vento. Uma manhã silenciosa, pensava Mikhael, uma caçada fácil. Em seu rumo de trabalho o silêncio era seu melhor amigo.

"Na mente quieta de um predador tudo o que faz barulho é presa."

Era seguindo esse bordão que ele vivia diariamente, um bordão passado a ele por seu pai, e por seu avô antes disso.

O vento soprava em direção ao norte naquela manhã, os resquícios de neve da noite passada acumulada no chão eram sinal de que o inverno pesado estava próximo, e o som dos lobos à distância indicavam que sua presa também estava. Ao olhar para o horizonte ele conseguia ver sua vítima, um jovem de cabelos compridos e escuros como a noite, com roupas manchadas de sangue e uma capa de um rubro tão forte quanto o ferimento em sua perna.

O jovem corria e corria, já quase sem fôlego, e os lobos o seguiam caminhando. Não era uma caçada para eles. Claro que não, as malditas feras sabiam que o menino não iria para lugar nenhum. Não ferido, cansado e quase congelando do jeito que estava. Era uma mera brincadeira, atormentar​ a própria comida os divertia. Mal sabiam eles que aquela presa já tinha dono.
Quando já não conseguia mais resistir a dor o jovem de cabelos escuros caiu de joelhos na neve, cabisbaixo esperando por seu fim. A matilha então o cercou e o maior dos lobos se pôs a sua frente.

Um enorme lobo de pelagem cinza volumosa e porte imponente. Uma fera majestosa e assustadora, definitivamente o "Rei" daquela matilha.
Enquanto o lobo ia em direção ao garoto, Mikhael preparava sua besta e apontava uma flecha em direção ao "Rei".

Respira.

E então, atira.

Apenas um tiro foi o necessário para destronar "Sua Majestade", para assustar o resto da matilha e afasta-los de sua presa.

O caçador então saiu de seu ponto de vantagem, entre os galhos mais baixos de um dos pinheiros, e andou em direção ao menino. Suas botas de couro eram pesadas sobre a neve e deixavam pegadas profundas, o barulho de seus passos foi suficiente para tirar o menino de seu devaneio. O garoto estava pálido e seus lábios tremiam incessantemente devido ao frio.
Ao olhar para cima o jovem encontrou uma flecha prateada apontada para seu rosto, e os olhos de seu verdadeiro predador o analisando, não um lobo, mas uma fera muito pior.

O jovem parecia ter pouco mais de vinte anos, vestia roupas de camponês, que eram leves demais para o clima, e tinha um ferimento grotesco em sua panturrilha direita. Porém o que mais chamava a atenção do caçador era o olhar do menino, seus olhos eram dourados como o sol e mais brilhantes do que qualquer joia. Eram hipnotizantes de certa forma e aterrorizantes de outra. Não por sua aparência, longe disso, mas pelo que representavam, olhos áureos como aqueles só poderiam significar uma coisa.

- Há quanto tempo você foi mordido?

Disse Mikhael abaixando sua arma e mantendo a vista fixa naqueles olhos dourados. O jovem o encarava com um tom de tristeza e serenidade, como se soubesse o que iria acontecer com ele.

Não, não "como se soubesse".

Ele sabia exatamente o que aconteceria, no que ele se transformaria e no fim que o esperava.
Ainda assim o jovem se mantinha plácido, ele então deu um leve sorriso e voltou com a cabeça para baixo contemplando a neve ao seu redor.

- Qual a diferença? Você é um caçador, faça seu trabalho e atire logo.

- Eu perguntei, há quanto tempo...

- Eu ouvi o que você perguntou. - O jovem suspirou e então continuou a falar com certa hesitação. - Fazem três dias.

- Três dias. - O caçador analisava atenciosamente aquela informação.
- Se você ainda não comeu carne humana podemos controlar sua transformação. - O menino abanou a cabeça como sinal de negação e voltou a olhar para Mikhael.

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⏰ Última atualização: Jan 12, 2022 ⏰

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