Os dias seguiram cada vez mais exaustivos, mas pelo menos eu tinha contato com Vitória, que me recarregava as energias mesmo distante. Independente da loucura da minha rotina, eu fazia de tudo para falar com Vi, nem que fosse um tantinho só. Contudo, alguma coisa aos poucos foi ficando estranha: ela passou a demorar mais a responder, às vezes o papo simplesmente não fluía e se restringia a superficialidades. Aquilo me preocupava.
Vitória comentou sobre estar igualmente sobrecarregada e que havia se metido em um grupo de teatro de rua, o qual oferecia oficinas para crianças e adolescentes carentes. É claro que fiquei muito feliz por ela, assim como orgulhosa (por que não?). Tenho uma profunda admiração pela empatia quase infinita de Vi com pessoas, com a natureza, com o mundo. Ela disse que conheceu muita "alma" nova e isso a fazia feliz. Se ela estava feliz, por que eu também não poderia estar? Critiquei a mim mesma por querê-la sempre disponível pra mim, sendo que eu não tinha lá muito tempo livre pra dispender. Além do mais, não tínhamos nada, Vitória nunca se pronunciou sobre nosso beijo e eu passei a entender aquilo com uma ação inesperada movida a álcool. Meu estômago embrulhava ao cogitar isso.
Ela era carinhosa com todo mundo, até com árvores. Eu não tinha o direito de me sentir assim tão especial em sua vida. Gastávamos muitos ''te amo'', Vi falava isso não só pra mim, então como ter um peso exato dessas declarações? Nesse meio tempo, encarei e passei a admitir pra terceiros meus sentimentos. Cansei de falar com meus irmãos (especialmente Luana), amigos e amigas sobre Vitória, estava até envergonhada. Todos me aconselhavam a mandar a real o quanto antes e esperar a resposta dela, mas eu tinha muitos receios, incluindo perdê-la até como amizade. E havia um extra: minha mãe.
Eu já havia ficado com garotas, no entanto, por nunca ter me apaixonado por nenhuma, não me preocupava. Até então. Araguaína é pequena demais, havia um medo constante de algo chegar aos ouvidos de dona Mônica antes de eu mesma falar. Tinha plena consciência de que não seria uma conversa fácil, menos ainda com meu pai.
Sempre ouvi em casa comentários LGBTfóbicos e afins vindos de mais velhos, portanto desconstruir essas idéias semeadas por tanto tempo levaria um custo proporcional. Querendo ou não, mesmo morando longe deles, eu ainda devia muitas satisfações aos meus pais, afinal, estava sendo sustentada pelos mesmos em Araguari. Uma situação um tanto delicada quando havia um certo abuso na relação parental extremamente protecionista e sem autocríticas.
Contudo, o que mais me consumia era a vergonha de Vitória. Maldita timidez da porra, eu estava experimentando níveis de insegurança anormais. Não conseguia me reconhecer. Até pra admitir pra mim mesma foi um parto, então pra contar pros outros e buscar ajuda foi preciso ela sumir. Argh, que ridícula!
Bárbara, minha melhor amiga, disse que ela mesma contaria pra Vitória tudo nem que fosse por mensagem, porque minha indecisão toda dava-lhe nos nervos. Prometi a ela me declarar pra Vi nas férias de final de ano no ao vivo, afinal, o assunto era meu. Se Bárbara fizesse isso, eu iria parecer aquelas crianças amedrontadas que se escondem na barra da saia da mãe, a lhe pedir que faça por elas seus próprios deveres.***
O semestre terminou com um saldo não muito bom. Os deveres cada vez mais pesados junto à presença cada vez mais diluída de Vitória resultaram num impacto visível em meu desempenho acadêmico. Vinte e quatro horas era pouco tempo pros meus ponteiros, que andavam cada vez mais ligeiros. No final das contas, fazia um mês que eu e Vi não trocávamos mais contato nenhum e reler o teor extremamente banal de nosso último papo me deixava aflita. Não era mais nós. Resolvi não falar nada mesmo assim, iria lhe fazer uma surpresa quando chegasse à Araguaína.
Casa, abraços-casa. Como era bom estar de volta. Depois de uma viagem extenuante e uma boa dormida na minha velha cama, ser recebida com vários mimos e a lasanha da minha mãe era gratificante. Mas eu tinha uma tarefa particular ainda a cumprir.
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Origami
FanfictionA vida é um papel que vai sendo moldado pelas mãos do destino conforme nossas decisões e encontros. Somos a forma de nossas várias histórias, feito um origami. Observações: - Fic do duo Anavitória - Narrada pela Ana - A estória é uma mistura entre o...