Cuida bem de ti

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9 horas da noite, depois de um dia árduo de trabalho, as consequências das minhas pensadas boas ações, vêm me assombrar.
"Tens uns minutos?" disse ela num tom carregado, penoso e hesitante.

Em uma frase formulada, disse que sim, mas que a minha cama esperava por mim. Sabia que algo que me perturbava, estava a bater à porta.
- "Porque? Porque estás a fazer isso? Eu fiz-te algum mal? Eu só preciso que me expliques isso! Porque já não posso fazer parte da tua vida."
Como ia eu explicar algo, que tenho dificuldade de admitir para mim mesmo?
Vou pela saída mais fácil, acobardar-me e dizer apenas que tinha de ir, ou expunha ali, minhas mais graves falhas?
"É melhor para ti. Eu não mereço a tua atenção, não consigo retribuir a tua genuinidade".
Aquele, era o inicio de um adeus a pessoa que mais gostou de mim. Ela merecia a minha honestidade, merecia mais do que uma simples desculpa. 

Sentados à porta do prédio 107, a conversa tornou-se num momento de afeto, tristeza e reflexão.

O que hei eu de fazer para restaurar a esperança de alguém tão atribulado? O problema se apresentou maior, eu era apenas um grão de areia na confusão daquela cabeça.
Não tinha condição nenhuma para lhe dizer nada, apenas a encoraja-la a ser forte, pois mal sabia ela, que a realidade que me envolve, já me tinha confundido, e que, tudo o que eu menos tinha era uma saída.

Beirava a meia-noite quando começou a chuviscar. Depois de algumas horas de sinceridade, meu calcanhar de Aquiles foi exposto. Meu orgulho ficou pequeno perante a minha coragem de contar, que sou fraco, que não sei amar, que a exposição me fere. Era hora de ir.
Ponho o capuz na cabeça, e anuncio a despedida.
- "Já é tarde, tenho de ir"
A primavera me surpreendera com uma noite espetacular, a chuva caía, o vento soprava levemente dentre os becos de lisboa.
"Fica mais um bocado, ainda é cedo." disse-me ela.
Levanta-se juntamente comigo, e na escadaria da rua ingrime do Rossio, trocamos mais algumas palavras. 

Sem se explicar, ela aproxima-se e numa tentativa desesperada, tenta beijar-me.
"O que estás a fazer Maria? Por favor, não me faças isso! Tanta coisa que eu disse, não ouviste nada?"
Ela não estava bem.
E mais uma vez, não era apenas eu.
"Eu nunca gostei de ninguém, nada nunca me fez sentido, até tu apareceres, e mostrares-me que eu ainda posso ter algum alivio no meio disto tudo. Por favor, não me excluas da tua vida."
A lagrima tomava o seu rosto, o olhar carregado e brilhante me pesava em cima.
Eu despedacei a única pessoa que me demonstrou amor, não era digno de nada que vinha dela.
"Vai-te embora, eu vou ficar aqui"
A hora do metro já se aproximara, não a podia deixar ali de lagrima no rosto, desnorteada.
"Vamos Maria, para de chorar por favor. Guarda para ti, todos os momentos felizes que passaste comigo, eu não fui nem vou ser a única coisa boa na tua vida."

Eu voltava a ser o grão de areia. 
De palavra a palavra eu tentava arrancar um passo ou dois, para que ela fosse para casa.
A chuva ainda caí, pelas ruas de lisboa, ouve-se de longe a tradução do choro através do fado.
Eu caminho, e tento convencer-lhe de algo que já nem eu acredito.
"Ainda há esperança, vais ser feliz"
O desespero já fala mais alto em mim, temo pelos próximos passos dela.
Ainda hoje me pergunto, se ela secou as lagrimas e me acompanhou pelo meu discurso falso de como a vida é bela e que ainda há esperança, ou porque teve pena da minha preocupação.
Com as bochechas inchadas, olhar já seco, não vejo esperança em seus olhos, mas talvez, seja eu o cego.

Acompanho-a até a casa, pois se não o fizesse, a almofada da cama não me confortaria.

"Cuida bem de ti"
Assim livrei-lhe de um mau maior que à cercara.






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⏰ Última atualização: Jul 08, 2020 ⏰

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