Capítulo XXI

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Bernard Sliver

Bip. Bip. Bip. Bip. Bip.

Aquele barulho infernal estava me deixando louco.

Não sabia o que era mais torturante: o barulho incessante, estar consciente de tudo sem conseguir me mover ou os instantes de sono, que me jogavam em pesadelos terríveis.

A verdade é que, desde que caí durante a luta, minha consciência passeou em todos os níveis. Passei um bom tempo completamente apagado, sem ouvir nada, sem sentir nada. Depois, vieram os lapsos dos sentidos: um cheiro de flor, a voz de Aisha sussurrando alguma coisa, um gosto amargo na boca, uma luz sobre meus olhos, a percepção do movimento passivo feito por alguém para me trocar de posição, várias vezes durante o dia.

Então, vieram os pesadelos. O primeiro deles foi aterrador. Tinha retornado à sala de tortura onde fui parar na primeira vez que demonstrei meus poderes à OCRV. Tesouras, pinças, bisturis e mais um monte de coisas que não conheço estavam pendurados em ganchos nas paredes, enferrujados. A sala fedia a carne em decomposição. Eu estava lá, amarrado, e sabia que eu seria o próximo a sentir aquelas coisas cortando, furando e rasgando minha carne. E não podia fazer nada para tentar fugir ou me defender. Esse sonho se repetiu várias vezes.

Mais um período de inconsciência total se seguiu. Depois disso, vozes. E o bip bip bip bip bip. Uma das vozes era feminina e bem familiar - mas não era a Aisha -, a outra, não tanto; mas eu sabia que também a conhecia de algum lugar.

- ... sinais nem oscilam - a voz familiar disse. - A única coisa que me impede de pensar que ele já se foi é o movimento da respiração. Ele não reage.

- Os níveis dele estão bons - a outra pessoa, um homem, falou. - Saturação de oxigênio, batimentos cardíacos, tudo dentro da normalidade.

- E o que fazemos, então, Daniel?

- Continuem mudando-o de posição a cada duas horas. E vamos continuar com o rodízio de exercícios. Senão, quando ele acordar, estará fraquíssimo e cheio de escaras.

Se eu pudesse, torceria o nariz à ideia de ficar cheio de feridas abertas, mas eu não podia mover um músculo sequer.

Daí, inconsciência. Depois, mais pesadelos. Via o homem loiro - Charles Collins, meu pai biológico - amarrado na mesma sala de tortura, sentado numa cadeira de ferro. Seu rosto brilhava por causa do suor, e seu nariz estava visivelmente quebrado. Ele arfava de dor, e me dei conta disso quando vi seu corpo repleto de ferimentos terríveis.

Charles olhava fixamente para uma prateleira lotada de pastas. Ele murmurava um nome sem parar, entre seus gemidos:

- Samuel. Samuel. Samuel Collins. Meu Sammy. Esteja bem, por favor, Samuel, que cuidem bem de você, Sammy...

Samuel?

Bip. Bip. Bip. Bip. Bip.

Despertei, ouvindo a voz de Aisha. Na maioria do tempo, não conseguia entender a maior parte do que ela falava.

- ... Anippe e Vladimir. Dá para acreditar? A OCRV é totalmente inescrupulosa. Não há limites para as manipulações deles. - As palavras dela viraram sons sem significado, mas o tom de voz que ela usava me acalmava. - ... se teremos alguma boa surpresa de agora em diante. Parece que desde que saímos da OCRV as coisas só pioram. Precisamos fazer alguma coisa. Claro, quando você acordar.

As palavras que eu entendia se misturavam em pensamentos totalmente sem nexo. Depois, sentia os lábios quentes em contato com meu rosto e os dedos em meu cabelo.

- Eu volto amanhã para te ver. Fica bem. Volta pra mim logo. Sinto sua falta.

Queria poder abraçá-la. Mas era como se ativar minha audição fosse algo exaustivo, e aí, eu dormia profundamente novamente.

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