Carlos Eduardo - Minha mãe sentada no sofá

91 10 0
                                    

─ É agora que o senhor me explica o que está acontecendo, Carlos Eduardo? – Minha mãe, sentada no sofá da sala, com cara de poucos amigos, contava os segundos para me fazer perguntas.

─ Pega leve, Débora. – Meu pai tentava conter os ânimos. – A garota está visivelmente precisando de ajuda.

─ Vitório, isso não justifica faltar escola, deixar o trabalho de lado...

─ Você viu as pernas dela? Para mim, é totalmente justificável.

─ Homens! – Minha mãe não gostava das brincadeiras de papai, principalmente quando estava brigando conosco, mas ele nunca perdia o bom-humor.

Tentei aproveitar o diálogo dos dois e me esgueirar. Mamãe percebeu o gesto, óbvio. – Muito bem, Kadu. Vou perguntar novamente, você está gostando dessa garota?

─ Mãe, nós somos somente parceiros. – Respirei fundo e respondi. – Ela está com problemas familiares. A avó teve um AVC. Não tem muitos amigos. Enfim, precisava de ajuda...

─ Por que, então, você está tão nervoso, garoto? – Ela me olhava de dentro para fora, como se um laser estivesse decodificando meus pensamentos. – Estou estranhando... Você nunca traz suas amigas para casa. Agora, traz essa garota para dormir... Além disso, não é a primeira vez que tenho de dar um basta nesse seu chamego com essa atriz. – Falou atriz como se fosse uma palavra pejorativa.

─ Mãe, talvez eu não traga ninguém para esta casa porque isso aqui parece um tribunal da inquisição. – A forma como ela falou de Bruna me tirou do sério. Como se a profissão dela fosse algo sujo, errado. – Não vejo problema nenhum em trazer uma amiga para conhecer minha família, principalmente se ela precisa de um pouco de carinho e atenção extra. Mas já começo a me arrepender. Que mal haveria se ela fosse minha namorada? Se eu quisesse dormir lá no quarto com ela?

─ Kadu, eu não te criei para andar se expondo por aí com uma atriz... – Ela só se enfurecia ainda mais.

─ Mãe, sério isso? – Eu simplesmente não acreditava que estávamos nesse nível de conversa. Não nessa casa. Não nessa família.

─ Carlos Eduardo, você estudou nas melhores escolas. Frequentou os melhores ambientes. Não quero você em baladas, envolvido em escândalos. Essa moça vive na boca do povo, meu filho.

Juro que tentei contar até dez. Juro que fiz de tudo para me controlar, mas uma conversa dessas era de tirar qualquer um do sério. Amo minha mãe, entendo seus cuidados. Sempre respeitei suas vontades e ordens. Porém, foram justamente aqueles dois ali na minha frente que me ensinaram que uma pessoa vale pelo o que faz e não por aquilo que falam dela.

Minha família não é exatamente um exemplo de nobreza social. Meus pais construíram com muito suor e lágrimas todo o nosso patrimônio. Para eu estar agora ouvindo a história de melhores colégios e ascensão social. Era muita incoerência.

─ Por favor, mamãe...- Insisti.

─ Por favor, você, meu filho! Essa moça já namorou meio mundo de gente. Tem namorado, aliás. Só aparece em propaganda de biquíni... O que os outros vão falar de nós?

─ Débora, o que vão falar de nós não interessa. – Meu pai interveio. Usou um tom de voz mais alterado. Também não estava gostando das palavras da minha mãe. – Você está ultrapassando os limites da intimidade do garoto. Nós não temos esse direito. Não a esse ponto.

─ Deixa ela, pai. – A essa altura, eu já estava muito irritado. Não podia mais aguentar o nível de intromissão da minha mãe. Eu precisava tomar as rédeas da minha vida. Por isso, acabei tocando num assunto tantas vezes esquecido por nós dentro daquela casa. – Acho que esqueceu que a primeira casa de show de vocês funcionou na casa de prostituição que o senhor recebeu de herança da minha avó.

Joguei toda a elegância de Dona Débora no lixo com essa. Ela ficou sem palavras. Mas continuou me encarando como quem escuta um insulto. Não era insulto, era verdade. Uma verdade que me dava tanto orgulho quanto as nossas conquistas financeiras. Eu não fazia questão de me esquecer de onde vim. De todo o percurso que aqueles dois ali enfrentaram. De todos os obstáculos. De tantos riquinhos bem-nascidos que lhes viraram a cara nesses anos todos. Minha mãe, porém, às vezes queria esquecer. Fingir ter nascido no luxo. Fingir ser um deles. Pelo menos, fingir que eu e meu irmão éramos um deles. Eu não tinha esse pudor com relação ao passado. Nasci numa casa de gente trabalhadora com muito orgulho. E, por isso mesmo, sem preconceito. Mantive meu olhar diretamente focado nos olhos de minha mãe e saí da sala.

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora