O Disfarce

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Na calçada, uma pequena multidão esperava. Cada pessoa procurava se entreter com alguma coisa — ajeitar o cabelo no espelho, verificar o horário no relógio de pulso, responder mensagens no celular, amarrar os cadarços — à espera do 238.

O ponto não tinha assentos, o que sempre incomodava Fernando, quem tinha de pegar um ônibus perto de sua casa bem cedo e, quando chegava ao segundo ponto, precisava esperar cerca de vinte minutos sobre as próprias pernas. Mesmo assim, a vida seguia, à espera do 238.

A ansiedade apertava o coração de Fernando quando finalmente um vislumbre do transporte público surgia lá no alto da avenida, com os números brilhando em um laranja pálido na placa digital. As rodas pesadas junto ao barulho do motor faziam um som inconfundível, indicando que talvez não fosse preciso se atrasar para o trabalho hoje.

Um frear de pneus emocionante, um estalar de saltos e solas, fila e um ligeiro aglomerado. Logo Fernando estava em seu assento, não tão confortável, e nem ao lado da janela. Mas era um dia como todos, era preciso fazer esforços e Fernando era mais um cidadão querendo ganhar seu ordenado.

Mal começou a andar, o ônibus cedeu, e logo se descobre o porquê: uma senhora da terceira idade acenou e precisava também embarcar. De última hora, o motorista com um pouco mais e boa vontade autorizou sua subida. A senhora para na frente de Fernando e procura assento bem ao seu lado.

Durante toda a viagem, não tirava os olhos do rapaz. Fernando, de início, procurou ignorar, mas depois foi ficando envergonhado, amuado... Que será que a velha tanto olhava? Será que era algo preso nos dentes? Não, mas nem havia sorrido. De súbito, escapou-lhe dos lábios um sorriso, ao qual a velha não retribuiu.

Mas que diabo! Nem um cumprimento bastou. Ela ainda olhava e a dúvida perdurava. Talvez pasta de dente esquecida na ponta do queixo sem querer? Esfregou bem a pele tentando limpar a sujeira caso ela estivesse lá. Também não devia ser o cabelo despenteado ou qualquer diferença física, pois a mulher parecia encará-lo nos olhos.

O ônibus, então, para. Aliviado, Fernando constata, Rua das Acácias, é ali seu ponto. Livre do olhar implacável que o incomodava, Fernando anda duas quadras até chegar na loja que trabalha. Entra, coloca o uniforme, pendura o crachá. Chegou a tempo. Vai para trás do balcão enquanto pensa sobre o decorrer do dia. Que será que vai almoçar? Era melhor ter levado marmita.

O som da sineta o desperta quando a porta abre. Os clientes já entravam. Para sua surpresa, Fernando observa que o cliente na verdade é a senhora do ônibus. Que diabo! Era mesmo ela! Será que agora ela diz o que tanto olhava? Mas não, ela apenas caminha entre as prateleiras, e parece que alimenta o costume de fitá-lo sempre.

Novamente a sineta. Entram dois homens encapuzados.

- Senhores, não é permitido entrar de ca...

- Cala a boca aí, tio! - um dos moleques segura um revólver e aponta.

Com o suor escorrendo pela testa, Fernando procura com os olhos a senhora, mas ela não está mais atrás da prateleira.

Atrás dos dois rapazes, uma figura cadavérica, que exala frio e angústia. Fernando quase não teve tempo de entender quem era.

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⏰ Last updated: Sep 17, 2017 ⏰

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