Capítulo Único

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A calçada estava cheia. Mas a desordem não existia naquela sociedade, então não fazia diferença a quantidade de pessoas andando sobre ela. Todos andavam para o mesmo caminho, em duas filas de ritmos diferentes. A fila da esquerda andava mais lentamente, enquanto a da direita era composta por pessoas rápidas que, provavelmente, estavam atrasados para se apresentar ao trabalho.

Tudo estava em sincronia a todo instante, como se todos tivessem treinando muito para manter as filas impecáveis. Todos estavam caminhando da mesma maneira: esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita...

Bonnie estava na fila lenta. Cada passo devia demorar cerca de três segundos. No começo, quando ela ingressara na vida adulta com 16 anos, aquilo a irritava constantemente. Por isso, preferia sempre pegar a fila da direita, onde tinha que correr para não ser atropelada pela pessoa de trás e chegava suando a todos os lugares que ia. Ela odiava a sensação do suor escorrendo pelo seu corpo. Esse foi um dos dois motivos pelo qual parou de pegar naquela fila. O outro motivo era o fato de ela ter ultrapassado os 40 anos e suas pernas ficarem cansadas de correr todos os dias durante quase todos os anos de sua vida.

O transporte era utilizado apenas para as crianças, os adolescentes e as pessoas incapacitadas de andar por conterem alguma deficiência. Já os adultos eram obrigados a andar para se manterem em forma, sempre prontos para o trabalho.

O objetivo de todos era trabalhar. Era quatorze horas de serviço por dia, iniciando às sete da manhã e terminando às nove da noite. Não havia folga ou algum dia de descanso. Todas as semanas passavam iguais, a mesma rotina sempre. Talvez fosse por esse motivo que todas as pessoas nas filas tinham desenvolvido certa sincronia.

Após uma hora andando naquele ritmo, Bonnie chegou ao prédio em que trabalhava. Andou pelo hall de entrada até o balcão da recepção, onde Martha estava do outro lado com um enorme sorriso no rosto.

— Bom dia, Bonnie! — ela falou. — Hoje será um ótimo dia!

Bonnie já decorara aquelas palavras. Ela colocou seu rosto na frente da câmera em cima do balcão e um holograma azul de seu rosto se materializou bem na sua frente. Uma voz robótica saiu de dentro de duas caixinhas de som presas em algum lugar escondido do teto: "Reconhecimento facial completo!"

— Bom dia, Martha. — Sorriu de volta.

Bonnie seguiu para o elevador enquanto outro trabalhador chegava e se dirigia até a recepção para registrar sua chegada no local. Bonnie pôde ouvir Martha repetir as mesmas palavras que dissera a ela, mas trocara o nome dela por "Jennet".

A porta do elevador se abriu e ela adentrou. As paredes eram completamente espelhadas e isso sempre fazia a cabeça de Bonnie se confundir um pouco. Virou-se para frente e apertou o botão do quarto andar. A porta se fechou quando Jennet começou a se aproximar. Agora, tudo ao seu redor era um espelho. Era como se ela estivesse dentro de um infinito confuso e medonho.

Para onde quer que ela olhasse via uma mulher de 34 anos, cabelo castanho e com roupas brancas. Uma coisa que começou a incomodar Bonnie recentemente era o fato de tudo — absolutamente tudo — naquele mundo ter que ser apenas branco. Isso era explicado pelos professores na Instituição de Ensinamento. Diziam que as cores eram capazes de despertar sentimentos nas pessoas e que isso deveria ser evitado a qualquer custo. Por esse motivo, os edifícios, as ruas, as roupas, os veículos... tudo era revestido com a cor branca. O Governo Mundial foi capaz, até mesmo, de criar sementes geneticamente modificadas para descolorir o verde da natureza. Era raro sair à rua e encontrar alguma cor que não fosse o azul do céu ou o amarelo do sol. Lendas falavam que até as nuvens continham cor antigamente, porém foram substituídas por grandes massas brancas sem graça.

Lúcidos (CONTO)Onde histórias criam vida. Descubra agora