Quatro - Esperança combina com Verde

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Quarto capítulo – Esperança combina com Verde

~oOo~

Rio de Janeiro

Sob a luz oscilante da lâmpada fluorescente protegida pelo lustre simples preso ao teto rebocado em gesso, Ellen estava sentada à mesa na saleta de descanso em seu horário de almoço, àquele dia em especial não sentia fome, algo atípico de si visto que seu apetite sempre fora de leão e como a maioria das mulheres já se preocupou demais com o peso e fizera dietas "malucas", atualmente, e felizmente, conseguira deixar de lado algumas - muitas - paranoias e aceitava bem o próprio corpo. Sua forma era sua, única, não precisava se envergonhar. Pena, é quase obrigatório o penar da mulher em aceitação própria, isto quando a aceitação vem, suspirou, como chegara nessa linha de pensamento sendo que há dois minutos observava o quadro pendurado na parede? Dia agradável, lembrava-se bem da oficina de artes que ocorrera na clínica antes de sair de férias há mais ou menos um mês, onde os pacientes passaram a tarde pintando e fazendo diversos tipos de artes manuais; pessoas comuns - com problemas tão comuns quanto preocupantes, a mente brinca aleatoriamente com quem quer que seja - liberando a própria essência de forma bela e particular. Pagaria alguém milhões de dólares por aquele quadro que não passava de um borrão em cores confusas?

Quiçá cem reais.

Compraria o quadro se estivesse à venda e colocaria bem posicionado na parede de sua casa...

Casa. Não um lar, o peso da afirmativa interna caiu sobre seus ombros suavemente, como o pousar de uma pena da galinha velha que não mais punha ovos no galinheiro da fazenda pela manhã e também já possuía a carne dura demais pela idade a impedindo de virar um saboroso cozido, pobre galinha! Ellen, amuou-se, ao que parece não totalmente livre das paranoias... Trinta e nove anos, mulher, como o tempo passou tão depressa?! Não foi ontem que pulavas ao som de Legião Urbana num barzinho com música ao vivo? Seu primeiro porre de cerveja, a virgindade indo embora em nome de uma paixonite cujo o nome não recordava - Danilo ou Arthur -, ah, os dezessete saudosos. Sorriu sozinha. Quem mais poderia sorrir consigo? Sua carne estava dura demais aos trinta e nove ou apenas rançosa? Arthur! Lembrou-se, como achava o aparelho odontológico do rapaz atraente... uma mocinha boba, fora e sentia falta de ser. Quem não?

— Ellen, seu descanso já acabou e eu estou faminta. - Vanessa tocou em seu ombro, despertando-a.

A dona dos cabelos castanhos e ondulados sorriu para a colega de trabalho e amiga, envergonhada por mais uma vez perder-se em divagações e atrasar o almoço alheio:

— Desculpe, eu estava pensando. - Resposta pronta, ergueu-se na brancura tradicional das vestes de uma enfermeira. Mais alta que a amiga, mesmo que apenas uns cinco centímetros, mesmo que fossem dois, iria se vangloriar disso apenas para provocar aquela que carinhosamente chamava de "baixinha". Amigas há bons anos já.

— É? Espero que esteja pensando sobre o cinema de sábado. - Brincou, jogando verde na tentativa de pressionar.

Cinema?!

— Talvez. - Piscou, fugindo do assunto - como sempre recusaria o convite - sua vida agora era voltada para o trabalho. Ir ao cinema não lhe enchia os olhos mais. – Bom almoço, vou voltar ao trabalho.

— Ellen... - A loira suspirou, havia solidariedade em seu tom de voz. Amigos de verdade são capazes de partilhar sentimentos. - Você precisa sair um pouco, minha amiga, ver gente e espairecer.

— Vejo gente todos os dias.

— Não falo de pacientes ou médicos. - Revirou os olhos azuis. Uma bela gaúcha abraçada pelo Rio de Janeiro desde a infância. – Como está em casa, você e Henrique?

Amores em AquarelaOnde histórias criam vida. Descubra agora