Capítulo Único

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A fumaça do cigarro saiu pelas narinas de Augusto, dançando no ar frio da tarde. Ele ignorava as pessoas que se apressavam pela praça, assim como elas não percebiam sua presença.

O dia sumiu e a noite trouxe o cheiro de quentão, vindo da feira de inverno. Os apressados deram lugar aos passeantes, interessados nas comidas típicas, nas lembrancinhas, no conteúdo das barracas. Porém, na cabeça de Augusto só havia espaço para um único pensamento, algo sombrio que ele tentava ignorar.

Caminhou entre a alegria dos outros, pelas ruas largas onde a vida noturna começava a despertar. Jovens como ele seguiam no sentido contrário, em direção à parte velha da cidade, camisetas de bandas e jaquetas de couro; moças se escondiam nas sombras com vestes insinuantes que desafiavam a baixa temperatura e o vento cortante; botecos estavam com portas abertas, seus frequentadores já de bochechas rosadas. Mas Augusto não viu nada disso.

Entrou no shopping, foi direto ao banheiro e lavou as mãos duas vezes, para eliminar o cheiro do cigarro. "Você andou fumando, Augusto?", perguntaria sua mãe. "Não lembra de como o câncer fez seu avô sofrer, menino? Nem dezoito anos você tem! Isso se não estiver usando droga! Você está usando droga?" Sua mãe não precisava disso, ele não precisava disso. O sofrimento em casa já era muito grande.

E pensando neste sofrimento, enquanto se pendurava na balaustrada do ônibus serpenteante, Augusto se perguntou: "Será que eu tenho mesmo que fazer isso? Será que eu vou conseguir fazer isso?". Observando o próprio reflexo no vidro da janela, misturado ao borrão de luz lá fora, ele se lembrou da dor que era chegar em casa e ouvir a voz triste da mãe dizendo "Deus te abençoe", e perguntando sobre como o dia dele havia sido. Ela sempre queria saber se ele tinha trabalhado demais, se o chefe o tratara bem, se ele usara luvas e máscara. "Fico muito preocupada com você nessa serralheria, morro de medo de você se machucar".

Há seis meses Augusto conseguira um emprego de meio período numa serralheria, como auxiliar. Recebia uma mixaria, mas já era alguma coisa. Pelo menos ele tinha seu próprio dinheiro, não precisava pedir pra a mãe, que ganhava tão pouco com a costura. Mas o mais importante era não depender de Afonso, que vivia dizendo "O Augusto custa caro demais!", o que era longe de ser verdade. O rapaz raramente saía com os amigos, sempre usava as mesmas roupas velhas, e apenas uma vez por ano precisava comprar novas canetas e cadernos para a escola, e isso tudo era pago pela magra pensão deixada pelo seu falecido pai.

Mas Afonso pagava o aluguel, as contas, e era o vale alimentação dele que trazia a maior parte da comida para a mesa. Augusto não tinha liberdade para fazer praticamente nada em casa. Qualquer coisa que desagradasse Afonso já era motivo para discussões acaloradas, e é por isso que o rapaz procurou um emprego, mesmo que sua mãe não concordasse. Apesar disso, ela sempre se interessava pelos relatos diários de Augusto. Ele percebia que a cabeça dela estava em outro lugar, com seus olhos cansados, não raro inchados de choro, fixos na máquina de costura.

E tudo isso pesava ainda mais na consciência de Augusto naquele dia. Passara a tarde na rua, vagando pelo Centro, sem rumo. Visitara suas praças favoritas, e comera uma coxinha para aplacar a fome. Não compareceu ao trabalho, disse para seu chefe que estava doente, e de certa forma estava. Sentia dentro de si os reflexos daquele pensamento assustador, que não queria ir embora. Há meses aquilo ecoava em sua mente, mas o dia anterior havia sido a gota d'água.

"Vale à pena jogar tudo para o alto? Imagina o que vai ser da mãe. Imagina o que vai ser de mim". Mas para Augusto, não fazer nada seria absurdo. Buscar o caminho correto não havia funcionado, e as coisas só pioraram depois disso. "Agora eu trabalho, tenho meu dinheiro, como um homem de verdade. Então é hora de agir como homem, que protege os seus".

O ônibus chegou no terminal cedo demais, e Augusto ficou parado no meio da multidão que ia e vinha. Ele se sentia como uma pedra pesada no fundo de um rio de correnteza forte; o mundo todo se desfazia em manchas ao seu redor, mas ele permanecia imóvel. Estava na fila para pegar o segundo ônibus de sua viagem, mas deixou o primeiro passar. Também ignorou o segundo, e por fim decidiu seguir o resto do caminho a pé, na esperança de que caminhar trouxesse pensamentos mais claros.

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