Capítulo 4

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  Eu podia ter insistido para voltar pro carro, podia ter negado sair, meus pensamentos vagavam enquanto eu me questionava sobre estar no caminho certo, quando, numa das ruas avistei um senhor de óculos escuros, com rasos cabelos grisalhos. Ele segurava cachorro pela coleira e para seu azar, ia de encontro a um dos carros, de raspão me vi sentindo a adrenalina de empurra-lo para fora da estrada, caindo em cima dele do outro lado. Havia passado a perna na morte.
Meu corpo, tremulo, exalava adrenalina enquanto todos ao redor me olhavam em aprovação.
"Ele o salvou, salvou o pobre velho cego "
Pude ouvir seus cochichos ,enquanto o velho se levantava com dificuldade e seguia seu caminho, não me sentia especial e muito menos heroico, mas as pessoas ao redor fizeram com que eu fosse, pra mim, era apenas a pessoa certa no lugar exato. Após todos me parabenizarem pelo feito, já estava pronto para voltar ao caminho do inferno, mas a ausência do velhinho me deixou intrigado.Pude ver suas costas no fim da rua, corri até ele, que já estava virando a esquina:
—Quer que o acompanhe até em casa? – Perguntei, mas não obtive resposta.
—Ei! Senhor – Exclamei, cutucando seu ombro. Novamente, o silencio reinou.
Sem saber muito bem como agir, intrigado, e já com a ideia de que além de cego o mesmo seria mudo, resolvi segui-lo, ou melhor, acompanha-lo até em casa.O caminho parecia interminável, passamos por tantas ruas que eu nem mesmo sabia onde estávamos, a ideia de voltar me veio a cabeça algumas vezes, mas meu caminho já havia se perdido lá atrás e não me restava muitas opções. Quando finalmente o cachorro parou, começou a latir para uma casa antiga, pintada em tons de verde musgo, o senhor adentrou na casa esperei por alguns minutos. Pronto, pensei, ele já esta em casa são e salvo, mas havia deixado o portão aberto , em qualquer outro caso, eu não teria entrado, mas a curiosidade me consumia mais a cada segundo e um pé por vez, me vi passando do portão enferrujado pra dentro.
O que mais me agoniava era o eterno silencio, o senhor , fez um sinal para que eu me sentasse no empoeirado sofá e após passar a mão em seu animal, sentou- se na poltrona a minha frente. —O senhor não fala? – Perguntei , fazendo gestos estranhos com as mãos.
—O silencio é a melhor resposta para um tolo – Respondeu, seco.
Já estava a perder a paciência quando ele me ofereceu um pouco de chá, pegou algumas xicaras que ameaçou derrubar no chão, ajudei –o a colocar tudo sobre a mesinha de centro e o liquido desceu seco pela minha garganta:
—Salvei sua vida hoje – Disse, impulsivo. Ele levou as mãos até os óculos e os tirou, pude ver as marcas de queimadura ao redor de seus olhos. Balbuciou alguma coisa que não entendi e disse:
—Há 9 anos atrás... Minha esposa estava preparando o jantar na cozinha e meu filho brincava pela sala, eu não sei ao certo o que aconteceu , mas, ao chegar do trabalho, eu vi, vi pela ultima vez, o fogo subindo, queimando e destruindo o sonho que um dia eu tive. Não há dignidade na morte, filho.
Engoli em seco, minha voz, por sua vez se esvaiu, queria dizer algo, mas só consegui me levantar e ir em direção até a porta.
—Há uma bicicleta nos fundos, era do meu filho , agora é sua. Ele podia ser só mais uma pessoa amargurada com a vida, ou talvez, ainda tivesse seus segredos, é o que nos impede de ser nós mesmos.        

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