Presente de Natal

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A animação da minha família reunida não me atinge enquanto desço as escadas, atrasada para a comemoração que acontece no primeiro andar de meu apartamento. Cumprimento minhas tias enquanto passo pelos corredores, dando risada quando elas me dizem que estou parecendo modelo. Em qualquer outro dia, eu teria realmente achado graça, mas depois de uma notícia ruim, são apenas risos falsos, do tipo que se dá quando não quer ser mal-educada.
Claro que eu podia ter ficado triste antes. Eles assumiram o relacionamento no começo do mês. Eu teria tido muito tempo para lidar com isso e, quem sabe, chegar à minha data favorita do ano sendo realmente capaz de aproveitá-la. Mas minha mãe quis viajar e, teimosa como sou, inventei de ficar sem celular durante o período para curti-lo mais.
Então voltei e, em plena véspera de Natal, ouço todos comentando que o meu estonteante e cobiçado melhor amigo, e por acaso também vizinho, Theo Magalhães, estava comprometido com ninguém menos que Talita Brandão, também conhecida como a menina mais linda da escola, pra não dizer da cidade.
Mais do que decepcionada, sinto um pouco de raiva de mim mesma. Nos não tínhamos nada. Não mais. E a vida nem sequer é minha, por que eu teria que me preocupar? Eu não deveria estar mal, mas bem... estou.
Ouço os saltos da minha mãe no piso de madeira e, pela velocidade que vêm, sei que está vindo me chamar.
— Você está linda. Vamos fazer uma oração na varanda, antes do amigo secreto.
Mal termina de dizer, ela dá meia volta e já está voltando para lá. Minha mãe é assim: prática com tudo. Ao contrário da filha, que fica remoendo lembranças antigas...
Independentemente de qualquer crença, eu amo o momento de orações. Acho que qualquer momento em que se espalha amor, deve ser apreciado. Hoje, porém, enquanto dou a mão para meus parentes, penso no Deus de quem minha mãe tanto fala. Se ele me amaria tanto quanto ela diz se soubesse em quem estou pensando em seu aniversário.
A noite se desenrola com a felicidade de qualquer noite de Natal. Em certo ponto, até acho que voltei ao meu estado normal de espírito. Mas, como a magia natalina tem sempre o poder de lhe surpreender, recebo uma mensagem.
Theo: como está indo seu Natal? O meu até agora consistiu em dizer mil vezes para a minha mãe que você vem, sim, dar um abraço nela e, enquanto você não chega, ela volta a cada cinco minutos perguntar se você não vem. Mas apenas comentando, risos.
Rio. A mãe dele é um amor. Eu sempre desço para o apartamento deles para dá-los um abraço nessas datas, e ela provavelmente falaria no meu ouvido para sempre se eu fizesse diferente agora.
Aviso minha mãe que estou saindo, e dois minutos depois abro a porta da casa deles.
— Finalmente! — ouço Theo exclamar, vindo em minha direção.
Sorrio, feliz por estar ali. Pelo menos até ver quem vinha ao seu lado me cumprimentar.
Talita Brandão está, não excepcionalmente, maravilhosa. Tento sorrir cumprimentando-a, mas ela deve ter visto minha surpresa, porque vira para o namorado e diz:
— Vou chamar sua mãe.
E vai em direção à varanda.
— Sério que vou ter que aguentar climão entre vocês duas?
— Não sabia que já estava sério a ponto dela vir passar o Natal contigo.
— Nossas famílias se conheceram e... bem, eles se amaram.
Consigo imaginar o porquê.
Vendo que eu não responderia, Theo respira fundo algumas vezes e parece pensar antes de abrir a boca.
— Você sabe que realmente gosto dela — ele diz. — Apesar de tudo.
— Eu sei. Nunca duvidei disso, Theo.
— Não queria te ver triste.
Sorrio. Ele sempre fora um ótimo amigo.
— Tá tudo bem. De verdade.
Acho que não fui muito convincente, mas ele não tem tempo de duvidar antes que sua mãe chegue ao lado de Talita.
Ela me abraça imediatamente, e retribuo o gesto com o mesmo carinho. Depois de várias reclamações por estar sumida, ela deseja tudo de bom a mim e minha família e, internamente, agradeço por ter conhecido pessoas tão boas. Começo a agradecer, mas ela me interrompe quando vê o filho do meu lado.
— Onde você estava? Estou te chamando faz tempo! Preciso de ajuda com presentes!
Sempre vou me surpreender com a capacidade dessa mulher de mudar de humor.
Ele a acompanha prontamente, e fico sozinha com Talita, que parece estar meio sem jeito.
— Quanto tempo. — diz. — Como tem sido sua vida?
— Igual sempre, acho. — Rio, insegura. —  Nada de novo nos últimos meses.
Ela assente, mas não responde. Fica um silêncio totalmente constrangedor.
— Sinto sua falta — confesso.
— Odeio isso. Essa situação. — Ela engole em seco, e respira fundo antes de perguntar: — Podemos conversar as sós?
— Claro.
Me sinto aliviada por ela ter perguntado.
Ela me dá as mãos, e, desviando de parentes de Theo que eu nunca havia visto, me conduz até o quarto dele.
Mal termino de fechar a porta, e Talita começa a falar.
— Minha família o ama. Minha mãe está orgulhosa de mim como nunca esteve. É como se eu só fosse válida se conseguir um homem. Se não, sou uma vergonha.
Ela fala atrapalhando as palavras, e quase tenho que fazer esforço para compreender cada uma.
Sento na cama de Theo. Quero confortá-la, mas a verdade é que não tenho ideia do que dizer. Não é algo pelo qual eu tenha passado.
Ela senta ao meu lado, e repousa a cabeça em meu ombro quando a abraço. Ficamos por um tempo assim, apegadas ao toque uma da outra, como se isso mudasse alguma coisa.
— Também sinto sua falta.
Beijo sua testa. Ela inclina a cabeça e, antes que eu possa pensar em qualquer outra coisa, estamos nos beijando novamente. E, a cada segundo, me lembro de porque senti tanta falta disso. Dela.
Ficamos ali escondidas o máximo de tempo possível. É assim que me lembro de porque gosto tanto do Natal.
Porque, nele, tudo parece possível.

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