3. Quando a gente está triste demais, gosta do pôr-do-sol.

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Aquela sensação de ter vento tocando os fios de seus cabelos dourados era nova para Delphine. Em outros dias, diferentes daquela tarde de sábado, ela jamais deixaria que o vento tivesse o prazer de bagunçar aqueles fios sedosos que ela tanto amava e cuidava. Naquele momento o vento entrava pela fresta do vidro que ela mesma abrira à sua direita. Ela não pode conter a felicidade que se estampou em seu rosto por conhecer a paisagem ao ver que o veículo tinha deixado a rodovia e adentrado a área urbana de Toronto.

Felix mantinha as mãos firmes no volante bem desenhado do utilitário, e tinha sua atenção voltada para o trânsito tumultuado da cidade grande, sendo diversas às vezes que o jovem magro reclamou o barulho que o vento fazia no interior do veículo, sendo todas aquelas vezes ignoradas por Delphine, simplesmente porque ela precisava de ar fresco, precisava respirar com vontade os ares de sua cidade natal, precisava sentir seus pulmões inflando naquela esperança de sentir-se viva, e por tudo aquilo, ela ignorou o primo, buscando colocar em palavras os motivos para recusar o convite dele para ficar no loft. Sabia que se usasse a desculpa de que há uma semana havia feito a reserva no Hotel King West, e que já estava tudo certo para ficar lá, não seria uma desculpa aceita por Felix, já que ele era desconfiado e teimoso provavelmente daria um jeito de adequar tudo aquilo.

A verdade por detrás daquela relutância eram os receios de Delphine, pensando em como sua estadia na rotina, e na vida corrida, pudesse atrapalhá-lo. Ela não queria sentir-se uma estranha invadindo a privacidade e os trabalhos do primo, para Delphine era visível a felicidade de Felix, e ficar com ele, mesmo que por poucos dias, fazia com que tivesse aquele sensação de estar atrapalhando a vida dele. A jovem Cormier não queria encobrir a felicidade de ninguém com aquela nuvem de tristeza que levava consigo, como se estivesse revoando sobre sua cabeça, muito menos de uma pessoa que tinha tanto afeto, como o primo.

Resolveria as questões burocráticas e os últimos ajustes de sua mudança para o novo apartamento o quanto antes, e mesmo sabendo que aqueles detalhes não demorariam mais do que cinco dias para serem ajustados, analisava que ficar no hotel era mais sensato, já que o dinheiro das diárias não era algo que para ela fosse problema, o único problema era aquela sensação que já a estava afetando por sentir-se incomodando a vida alheia. Delphine Cormier tinha vivido praticamente uma vida com aquela sensação e vê-la voltando em sua vida, a deixava em alerta, pois sentiu naqueles anos longe das Cormier como era reconfortante não ter mais aquele sentimento e não favoreceria para que ele voltasse.

Quem olhava de fora, poderia pensar que a escolha de Delphine, em ficar em um hotel era um tanto quanto radical, já que o pai havia deixado para ela e as herdeiras Cormier uma mansão, na qual nem sequer recordava o número de cômodos, somados a vários apartamentos em Toronto e na cidade de Montréal. Talvez quem olhasse por fora do contexto, aquela atitude da mais velha das filhas de John, fosse algum ato de rebeldia, mas era preciso olhar aquela escolha, com os olhos de alguém próximo para assim não julgá-la uma rebelde sem causa, para as pessoas próximas era entendido que morar na casa dos Cormier, para Delphine, seria uma escolha estúpida, já que sabia como era o relacionamento dela com a família, além de saber também todo o passado vivido por ela naquele lugar, a escolha dela em manter-se longe daquela casa, era para evitar stress desnecessário, evitar lembranças de sua infância amarga, além de protegâ-la, proteger sua integridade e principalmente sua sanidade mental, que não estava a das melhores.

Após analisar os prós e contras inclinava-se a aceitar o convite do primo, pois apesar de tudo, tinha consciência, por experiência própria de como ficar em um quarto, fosse de hotel, fosse do internato, era demasiado obscuro e triste. Ficar sozinha naquele momento só iria aprofundar aquela tristeza que já ameaçava tomar conta de seu corpo, desde quando tivera a notícia da morte do pai, e por não tomar atitudes de forma impulsiva, mesmo sabendo o que queria, e o que faria, decidiu aguardar até a noite para fazer o que seu íntimo queria. Até a noite sentiria o clima na casa de Felix e sentiria como sua presença afetaria a rotina do primo, além de até lá, poder sentir qual o impacto de estar de volta a sua cidade natal traia a ela.

Defy ThemOnde histórias criam vida. Descubra agora