Abro os olhos e estou de volta ao começo. A ponta dos meus dedos sangram as contas do terço que seguro estão ensanguentadas e as gotas escorrem pelo objeto e pingam em minhas roupas sujas.
Começo a andar em direção à porta pesada de madeira antiga. À medida que me aproximo ela se abre lentamente, o barulho ecoa pelo local vazio. Meus pés feridos tocam o chão frio a cada passo que dou.
-Sandra, Sandra, Sandra. – A voz feminina e sombria ecoa pelos autofalantes. – Sua filha amava você.
-Não. – As lágrimas voltam a escorrer pelo meu rosto.
-Ela amava você.
-Não.
-E você...
-Não.
- ...a matou.
-NÃO!
Começo a correr cegamente pelo longo corredor. O terço bate em meu pulso, sinto as contas baterem em meus cortes abertos e a adrenalina não me permite sentir a dor.
Tropeço em meu vestido, mas continuo seguindo em frente. No final esbarro em uma porta que se abre com o impacto, me derrubando no chão. Me levanto e a porta se fecha nas minhas costas.
Uma luz vermelha se acende e me cega por alguns segundos. Meus olhos vão se acostumando com o novo ambiente aos poucos.
Rosas estão espalhadas pelo chão e pelas paredes. Olho para baixo e vejo que estou em cima de várias delas, os espinhos grande e pontiagudos rasgando minha pele.
Me levanto devagar, algumas rosas se desgrudam e caem no chão. Puxo as outras com cuidado. O sangue escorrendo e se misturando as pétalas macias. Pego o terço entre meus dedos e começo a rezar novamente.
-Ave Maria...
-Ela não pode ajudá-la aqui, Sandra.
-...cheia de Graça...
-Ninguém pode ouvi-la aqui.
-...O Senhor é convosco...
-Você matou a sua filha.
-...Bendita sois Vós entre as mulheres...
-Ela estava tão assustada.
-... Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.
-E você continuou acelerando...
-Santa Maria, Mãe de Deus.
-... e gritando com ela.
-E então o carro derrapou...
-Rogai por nós pecadores...
-...E a árvore surgiu na sua frente...
-...Agora e na hora de nossa morte...
- ...Você virou o carro...
-Amém.
-E viu sua filha ser esmagada bem ao seu lado.
-Não foi minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa. Não fui minha culpa...
-Foi sim. – Sinto o sussurro frio em meu ouvido e caio no chão. A luz vermelha e o cheiro de sangue fazem minha cabeça girar.
-Não...
-Você matou a sua garotinha.
-Não...
-E sabe o que deve fazer agora...
Meus olhos se abrem devagar e encontro uma rosa vermelha em meu colo. O sangue escorre pelo chão ao meu redor, banhando as rosas com minha dor.
-Use o espinho. – Ouço a voz sussurrar.
-Use o espinho. – Repito.
-E tudo acabará. – Falamos em uníssono.
E espinho faz a dor acabar.
°
[...]
A vítima aparenta ter entre 30 e 35 anos. [...] Foi encontrada em sua casa. Há cortes em seus braços e pernas autoinfligidos. Há pedaço de pele embaixo das unhas e nos dentes.
Há cicatrizes recentes do que aparenta ser um acidente de carro. No registro médico consta que ela se acidentou a pouco mais de seis meses[...] Estava dirigindo na chuva e o carro saiu da estrada. A batida na árvore à fez fraturar o fêmur em cinco partes. A clavícula também foi fraturada e há sinais de cirurgias no estomago e intestino. [Meu Deus, a filha da coitada não sobreviveu].
A causa da morte foi um corte profundo causado por um objeto plano e afiado. Provavelmente uma faca pequena.
[...]
-O senhor está bem, Dr. Jefferson?
Olho para o corpo da mulher em minha mesa, me perguntando como deve ter sido um inferno os meses que ela passou sem a filha.
-Só mais um triste dia de trabalho. –Respondo com a voz falhando.
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Vermelho
Short StoryNeste conto o leitor acompanha Sandra viver seus piores pesadelos... Ficar presa em um local sem saída, sem eletricidade e sendo perseguida por alguém que a atormenta com seus segredos mais íntimos. A linha entre a realidade e a insanidade é muito f...