Relato nº 1

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Lembro bem daquele dia. Eu era moleque. Na noite anterior ninguém dormiu na cidade, pelo menos minha mãe, meu pai, minhas tias e tios andavam de cá para lá dentro de casa, se entreolhavam calados como se falassem, suspiravam e esperavam. Na rua só o cachorro branco uivava. Já estava amanhecendo quando ouviram o barulho do ilustre comandante indo embora. No instante que cessaram os rastros começou o agito. Minha mãe agarrou firme a minha mão e foi me arrastando para fora de casa, lembro até que perdi um chinelo na rapidez da saída. A família foi toda junto, e as outras famílias também, todas as famílias foram na direção da casa dela.

Era uma casa de madeira simples e bem cuidada. Na fachada havia uma porção de plantas em vasos e latinhas pregadas na madeira, como uma grande pele de lagarta peluda. Ela só aparecia na frente para molhar o verde, eu via que às vezes era xingada por alguém que passava a pé ou de carro, uma vez vi Pedro Pedreiro passar de moto e cuspir, ela sequer olhou para trás, seguia a vida com certa dignidade. Eu perguntava sobre aquele ódio todo mas ninguém me explicava. Quando muito ouvia que ela não era de Deus, e me perguntava se eu seria, ou como elas sabiam quem era e quem não era. No fim, eu concordava com a maioria, se o desdém era de todos eles estavam certos, pensava assim para justificar uma saraivada de pedras que eu e meus primos demos nela uma vez.

Mas depois dos últimos acontecimentos eu acreditava que o alvoroço na direção da casa dela seria para agradecer. Que nada. Não sei quem jogou o primeiro insulto, depois vieram outros e até cocô de cachorro atiraram na casa. Voltaram a fazer o que faziam antes do comandante chegar na cidade, e ela sempre silenciava.

Naquele dia não, abriu a porta da casa e encarou todos que estavam do lado de fora. Que espetacular era vê-la nua! Todos pararam, deu até para ouvir um coro desses de torcida de futebol quando veem um lance surpreendente no estádio. Era uma visão arrebatadora, eu nunca tinha visto nada igual na vida. Não era como as mulheres nuas que conhecia do baralho de cartas que meu pai escondia no criado-mudo. Também não era como eu e os meus primos. Ela foi passando, olhando para cara de cada um deles nos olhos, não costumava encarar, mas encarava, andava e balançava. Eu não entendia porque chamavam de aberração aquele corpo tão bonito, mas eu nunca tinha visto um corpo totalmente nu, não sabia que uma mulher bastante mulher podia ter um tanto tão grande de homem, tudo num mesmo corpo. Só tive alguns instantes para olhar aquela iluminação antes da minha visão escurecer pelas mãos constrangidas da minha mãe. Foi a última vez que eu vi a Geni.

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⏰ Última atualização: Oct 09, 2017 ⏰

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