Ele mergulhou.

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Meses atrás ele já dava pistas do que iria fazer. Dias atrás ele deixou estampado no rosto o que iria fazer. Horas atrás ele já não manifestava mais nenhum indício do que faria, pois faria.

Eu não vi, você não viu, os  vizinhos não viram, a família não viu.
Eu não senti, você não sentiu, os vizinhos não sentiram, a família não sentiu.

Meses atrás ninguém sentiu a tristeza tão escandalosa nele. Ninguém sentiu que ele estava sufocando uma infinidade de coisas para não chorar. Ninguém sentiu que o que ele fazia era apenas mostrar os dentes  para fingir que estava feliz quando na verdade, não estava.

Meses atrás ninguém percebeu que ele queria uma pessoa para apenas o ouvir. Para apenas lhe dar um abraço. Para apenas dizer: Não desista. As coisas vão mudar. Ninguém percebeu.

Dias atrás ninguém sentiu que o coração dele estava doendo e que ele mostrava isso no olhar aéreo e triste que lançava a cada pessoa que o cercava. Dias antes nenhum de nós percebeu que os olhos dele estavam meio inchados e que ele havia adquirido leves olheiras.
Ninguém percebeu que ele estava cansado de algumas coisas. Que ele estava ferido com algumas coisas.

Dias atrás ele sentou no banco da Praça sozinho, conversou com alguns pombos que ele achou que também estavam o ignorando.
- Até vocês, meus amigos pombos!
Nesse mesmo lugar, ele conversou com uma estátua também, se não me engano.

Dias atrás ele foi até à ponte mais alta da cidade e sentou- se na estrutura de ferro da mesma, e ficou lá falando com o vento. Olhava tanto para o mar ao seus pés!
Mas desceu e foi pra casa, e ninguém viu.

Dias atrás ele postou um desabafo no Facebook. Disse apenas que: Não aguentava mais. Alguém curtiu o post, outro reagiu com a carinha triste. E só. Horas depois ele apagou o que escrevera.

No dia seguinte ele foi à escola e disse que estava vendo as coisas  através de um véu cinza para seus colegas.  Eles não entenderam nada e também não quiseram entender. Ele foi à biblioteca, leu um livro que não sei o título e foi pra casa. Lá, muitas brigas.

Dias atrás ele foi à praia, sentou na beira do mar, com os pés na água e viu o pôr do Sol. Aquilo o acalmou tanto! E decidiu que era feliz de novo.
Depois, foi à ponte mais uma vez. A décima vez só aquele ano. Ele gostava da altura, do disparo de adrenalina em seu corpo ao olhar para baixo. E foi para casa.

Outro dia ele estava chorando no banheiro da escola e ninguém ouviu os sussurros baixinhos que vinha do choro. Nem perceberam seus olhos vermelhos e marejados pela tristeza. Nem perceberam que seu olhar estava cada vez mais distante de tanta tristeza. Que ele estava ali, mas não estava ali.

Horas antes ele havia acordado meio feliz. Olhou no espelho e gostou do que viu. Respirou fundo e foi para a escola. Ele deu bom dia para todos que passavam por ele. Recebeu alguns de volta e continuou feliz. Mas ele viu alguma coisa no caminho de volta para casa que o fez ficar triste de novo. De repente, sentiu de novo o enorme desprezo em viver. Sentiu que tudo ao seu redor era sem graça. Que tudo havia mudado. Mudado para a pior.

O peso de alguma coisa muito densa lhe caiu sobre as costas e ele já não tinha mais de onde tirar mais forças.
Horas antes ele foi à ponte, mas desistiu de subir e ninguém viu. Lá ele se acalmava. Ficava perto das nuvens. Elas o compreendia. Mais tarde ele voltou à ponte. Estava com uma carga de tristeza maior que todas as outras vezes. Sentia muita dor. Subiu e sentou no lugar de sempre.

Olhou para o céu, ficou minutos assim, como se estivesse pedindo forças a alguém.
Olhou para o mar que estava abaixo dele com muita hesitação. Percebeu que as ondas estavam muito ferozes. Batiam, lá embaixo, no cais, com uma alegria que faltava a ele. Olhou para  parte terrestre da cidade e viu pessoas muito pequenas andando sempre com o olhar para frente. Não olhavam para o lado, não olhavam para baixo, não olhavam para o alto, não olhavam para ninguém.

Ele ficou em pé na estrutura que sempre sentava. A intenção era descer e ir para casa. Mas ele olhou para o mar e deu um mergulho tão profundo quanto sua dor. E ninguém viu. Ninguém viu nada. 
No dia seguinte, saiu no jornal que alguém tinha se atirado no mar, algumas pessoas passaram as páginas do jornal sem nem notar.

Ninguém sentiu Onde histórias criam vida. Descubra agora