2 - PARECE QUE A TEMPESTADE COMEÇOU

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Capítulo curtinho, tá? <3

Yuri

Me acordo assustado. Meu queixo treme e eu bato os dentes por causa do frio que toma meu corpo. Ao olhar pela janela do nosso quarto, vejo que chove forte lá fora. Parece que a tempestade começou mais cedo do que eu imaginava. Tinha esquecido que deveria ter trancado a janela assim que chegasse do serviço... Putz! Culpa do meu cansaço. Até quando iria aguentar viver assim? Estava esgotado por ter que limpar todas aquelas mesas, aquele chão imundo, lavar os pratos e aguentar as humilhações dos velhos bêbados que frequentavam aquele bar.

Eles me chamavam de mulatinho... Diziam que se eu não fosse ainda menor de idade, iriam usar o meu corpo como se eu fosse uma "mulherzinha favelada" e depois, me dariam uma surra até que eu me tornasse um homem, ou pelo menos até que me parecesse com um. 

Eu tinha que engolir calado todos aqueles absurdos. O Bar da Luz era o único local no qual eu tinha conseguido um trabalho sendo menor de idade e se não fosse pela mísera oportunidade que aquele homem me dera, estaria agora nas ruas ou morto... pela fome! 

Também precisava do salário pra pagar o hospital. Poderia morrer de fome, comer um pão dormido no almoço, mas jamais deixaria minha mãe sem os seus cuidados necessários. Minha mãezinha... O ser mais doce que eu já tive o prazer de conhecer. Ela sempre dizia que seríamos nós dois contra o mundo! Sempre me dizia isso nos momentos mais difíceis. Uma vez, tivemos que decidir se pagaríamos naquele mês a conta de energia ou da água. Eu queria muito que ela escolhesse a de energia para que eu pudesse assistir os meus desenhos na televisão, mas ai ela me chamou na cozinha, me colocou em seu colo e, com um sorriso lindo, me explicou que a água era fundamental para a gente, disse também que a TV era apenas um detalhe e que naquele mês ela me ensinaria a olhar as estrelas todas as noites... 

De forma humilde, Dona Esmeralda me apresentou às três Marias, me contou uma história que até hoje não esqueço. Disse que quando tinha uns dez anos de idade, no sítio de seu pai (meu avô já falecido), enquanto brincava com uma amiguinha de pega-pega, acabou adentrando na mata fechada que ficava próxima da sua casinha. Ela disse que acabou se perdendo e ficou horas e horas andando e chorando, gritando pelo meu avô. Cansada, sentou-se abaixo de um cajueiro já quase sem vida e olhou pra cima. Encontrou 3 lindas estrelas formando uma pequena fileira. Achou aquilo lindo! Ela disse que não se sentiu mais só e, olhando para cima, começou a andar. Achou sozinha o caminho de casa e mesmo após uma surra de cipó de goiabeira que o meu avô deu nela por conta do sumiço, dormiu feliz, por ter encontrado o caminho de volta pra casa com a ajuda das suas três novas amigas. 

"- Meu Yu, eu não estava sozinha. As Marias me guiaram e fizeram com que eu achasse o caminho de casa. E na verdade eu nunca estarei perdida, Yu, porque casa, quem faz é a gente. Poderíamos estar dormindo em uma casa de abrigo ou embaixo de uma ponte, mas se você estivesse comigo, estaríamos em casa, porque haveria amor e proteção. Estaríamos nós dois juntinhos contra o mundo!"

Eu lembro que nesse dia, quando fomos dormir juntinhos, tive um sonho lindo! Três mulheres me visitaram e me levaram para um campo bem florido, com um vento refrescante batendo em meu rosto, com meu cabelo voando e nós quatro felizes por estarmos em um local abençoado. Eu senti! Senti que ali não haveria preocupação nenhuma, que não haveria tristeza e nem dor. Eu ainda era uma criança, mas aquele sonho até hoje não sai da minha cabeça. 

Bem, voltando pra minha cruel realidade... 

Levantei-me rapidamente da cama e corri para a janela. O chão estava molhado e a ventania lá fora ficava cada segundo mais forte. Tranquei a janela e fui até a cozinha beber um pouco de água. A casinha estava silenciosa, era madrugada de quinta pra sexta e daqui há seis horas teria que sair de casa e ir para o bico que tinha conseguido como entregador de marmitas. Estava feliz! Desse pequeno trabalho tiraria cem reais, daria pra comprar algumas coisas no supermercado. Claro que não lotaria o armário da cozinha, mas poderia me virar bem.

Bebi água, enchi a garrafa e voltei ao quarto. Me enrolei bem pra me manter bem quentinho e fiz uma oração. Pedi à Deus que a minha mãezinha acordasse... Agradeci pelo dia e nem percebi quando peguei no sono.

ATEMPORAL (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora