Eu só queria dançar

A dança no espelho

Clarice colocou o fone de ouvido no último volume, a música começou a contagiar seu corpo e ela não conseguiu resistir, foi para frente do espelho e começou a dançar sua música favorita, seu cabelo fino e escuro balançava para todos os lados e em alguns momentos chegava a cobrir seus olhos azuis vibrantes como o mar, ela usava uma camiseta regata cinza com uma mancha vermelha que havia ganhado do seu tio Ernesto, o quarto estava bagunçado, roupas, maquiagem, cadernos e livros estavam espalhados por todo lado, havia uma caixa de pizza que parecia estar a mais de dois dias em cima da escrivaninha. O tempo lá fora não colaborava, chovia sem parar a mais de cinco horas, as árvores em frente à sua casa pareciam cair com o vento forte que fazia barulho na janela, no quarto ao lado seu pai estava sentado numa poltrona marrom, fumava seu charuto cubano com os olhos cheios de lagrimas, não havia saído do quarto desde das duas da tarde quando fez o almoço para Clar, ele fitava o lado esquerdo da cama como se tentasse enxergar alguma coisa invisível.

Susan havia falecido, ela descobriu que tinha câncer a alguns anos e foi um choque quando contou para ele e Clarice, todos lutaram durante muito tempo, o Sr. Alberto gastou todos suas economias para tentar cura-la, viajaram para outros países, faziam pesquisas dia e noite, tentaram tratamentos alternativos diversos, mas não teve jeito, sua mulher faleceu dormindo na semana passada. Clarice entrou em choque, no dia do enterro ele precisou segura-la para ela não entrar no buraco com a mãe, precisou ser forte para aguentar o choro e berros de saudade que sua filha colocava para fora, Clarice e sua mãe eram amigas intimas, Susan era linda e sempre sorridente, sua filha adorava a tarde de domingo em que sua mãe cozinhava todo tipo de delicias do mundo, depois sentavam na varanda para conversar, em uma dessas conversas Susan a fez entender que seu namorado não estava presente em sua vida, no momento ela entendeu que tinha um valor imenso e nunca mais deixaria qualquer cara machucar seu coração novamente.

Clar continuava a dançar, até que de repente a música parou e seu celular pulou do bolso desconectando o fone de ouvido, ela olhou no espelho por três minutos sem parar, como se não soubesse quem era, depois virou para trás e deitou em sua cama em cima de um sapato e ela ignorou o desconforto, quando virou a cabeça para tentar dormir viu uma agenda vermelha com alguns desenhos e começou a ler a primeira página.

"Oi filha, eu sei o que está sentindo, senti isso quando a Vovó se foi, me desculpa por ter morrido...Está bem, não teve graça, eu só queria ver um sorriso nesse rostinho perfeito que você tem...Eu sei que não estarei mais presente em sua vida, então, quando fomos naquele médico da Argentina eu decidi escrever para você, para te ajudar a passar pelas coisas que toda garota passa antes de virar uma mulher, acredito que vamos nos divertir muito, como naquelas tardes de domingo...E ai vai, a primeira lição...Nunca fale eu te amo antes dele, é sério..."

Ela ficou lendo a agenda por horas, e em vários momentos sorriu como se a dor tivesse indo embora, pensou que seu pai estava sendo muito forte, e tinha amado a ideia de sua mãe ter escrito coisas para ela naquela agenda inteira, pensou que tinha perdido a melhor mãe do mundo, e acabou adormecendo com a luz acessa e nem percebeu que a chuva havia parado, ela estava cansada, e amanhã, seria um dia especial...Continua