Capítulo único

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Os seixos fazem meus pés descalços doerem. O vento suave cola grãozinhos de areia na minha calça. Meus cabelos estão soltos, caindo pelos ombros. Levanto a cabeça e o procuro com o olhar. Ele está lá, usando roupas de gala, descalço como eu. Trocamos sorrisos. Ele estende o braço e dobra os dedos, me chamando.

Dou o primeiro passo, respiro fundo. Caminho até o gazebo perto do mar e pego sua mão. Ele me abraça e beija minha boca de leve. Inspiro seu cheiro. Canela e páginas antigas. As coisas que mais ama tocar. Eu aprendi a gostar de canela e livros velhos depois que passei a andar com ele.

Ah, ele... tão singular e especial, que até seus defeitos pareciam qualidades. Ele era irritantemente perfeccionista, mas até que era fofo observá-lo se esforçando ao máximo por qualquer coisa (literalmente qualquer coisa. Desde cozinhar até dirigir dentro das leis e economizar gasolina na mesma viagem). Com tempo e respiradas fundas, aprendi a relevar problemas e aproveitar cada momento bom.

Estamos lado a lado agora, ouvindo as palavras do homem a nossa frente sobre amor, entrega e essas coisas. Mas a única coisa em que eu conseguia pensar era no hotel que tínhamos reservado para a noite de núpcias.

"Pode beijar o noivo".

Nem precisa falar duas vezes. Ele segura minha lapela e me beija, muito mais demorado do que antes. Somos aplaudidos por nossos padrinhos e únicos convidados. James me dá tapinhas nas costas, dizendo:

"É isso ai, cara".

A madrinha sorri e diz o quanto está feliz por nós finalmente nos casarmos, enfia um pãozinho doce na boca antes de nos guiar até o carro e dirigir até o hotel.

"Tenham uma boa noite", deseja, sorrindo. "Liguem quando chegarem a Roma, mas me poupem dos detalhes, ok?"

Ele bagunça o cabelo dela e diz para encontrar histórias para contar quando voltarmos.. Passamos pelos procedimentos burocráticos e podemos seguir para a suíte. Ele fecha a porta às costas e me beija outra vez. O quarto é um aposento de luxo — não que a gente ligue; a única parte que nos importa é a cama.

"Ei, olha. Dá pra ver o mar daqui"

Ele aponta esfuziante para a sacada. Sigo até lá, observando a cortina esvoaçante. Apoiado nos balaústres, meu agora marido contempla as ondas brancas se quebrando na areia cinza. Estamos a vinte minutos de carro de onde celebramos o casamento, mas o fato de eu ter uma aliança no dedo faz as coisas diferentes, melhores.

Seguro sua mão e beijo seus dedos. Ele cresceu em uma cidadezinha do interior, Nunca tinha visto o mar até uma excursão de escola ao litoral, o dia em que nos conhecemos. Depois que nos formamos na faculdade, voltamos àquela praia todo ano e andamos pela orla de mãos dadas. É bom para esquecer os problemas. Conversamos bastante, ele me conta sobre seus planos, como filhos e animais de estimação.

Os anos passam. Continuamos visitando a praia no aniversário de casamento, e fazemos basicamente a mesma coisa. Temos filhos, e também cachorros.

A vida é boa. Apesar de amarga às vezes, é boa. Muito boa,

***

"Levanta logo ou ele vai desistir do casamento".

Os berros da mulher ruiva são o bastante para me acordar de salto. Meu traje está pendurado na porta do guarda-roupa, o que me faz lembrar que dia é hoje, antes que ela precise dizer. 3 de novembro, meu aniversário e, a partir do ano que vem, meu aniversário de casamento também.

Começo a me arrumar, recordando meu sonho com cuidado. Cada detalhe, desde a sensação dos seixos sob os pés, até os lençóis de seda do hotel. Apenas quando visualizo o rosto das crianças sei que estou pronto para me casar.

O casamento de Sirius BlackOnde histórias criam vida. Descubra agora