09 - Posse

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"O sentimento de posse do ser humano é a maior ilusão que existe!"

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"O sentimento de posse do ser humano é a maior ilusão que existe!"


Anselmo sempre fora ciumento: tinha ciúme até de seus talheres preferidos. Tinha posse no que era dele e no que ele achava que ia ser. Não adquirira aquele comportamento com o tempo, ele já nascera possessivo.

Formara-se em direito e passara em um concurso para trabalhar na Bahia, dois anos depois de se separar de Anabela.

Conhecera Fabiana em uma festa de fim de ano de militares. Apesar de fazer parte da polícia civil, ele fez muitos amigos e geralmente as festas eram juntas.

Encantara-se com aquela morena sorridente, que dançava com todo mundo e não beijava ninguém. Insistira por três longos meses para poder ter um encontro com ela. Quando ela aceitara, ele a levara para jantar no melhor restaurante de Salvador. Isso não dizia nada a ela, que era muito simples, prezava mais a companhia do que o lugar.

— Fabiana, a mulher que me conquistou! — Levantara a taça com o melhor vinho da casa e brindaram.

Enquanto ela dizia que estava ficando com ele, ele dizia que estava namorando, já falando em casamento.

Anselmo viu seu chão sumir quando Fabí tentou terminar com ele.

— Não estamos com tempo para nos ver. Será melhor para nós dois, Anselmo. Cada um segue sua vida.

— Não quero me separar de você, Fabiana. — Já chorava.

— Pelo amor de Deus, Anselmo, não chore. Estamos nos vendo uma vez por mês, isso não é certo. Moramos na mesma cidade.

— Eu vou mudar isso, prometo. Mas não me deixa!

— Anselmo, você é um homem bonito, tem uma boa profissão, não vai ficar sozinho. — Pensou por um momento e continuou: — Eu estou em outra.

— Como está em outra?

— Não dá mais, não queria que isso tivesse acontecido, mas aconteceu. Eu fiquei com outra pessoa. Talvez eu não a veja nunca mais, mas...

— Eu perdoo. — Cortara-a ajoelhando-se aos pés dela. — Por favor, me dá mais uma chance, eu vou mudar isso.

— Levante daí, homem, você não precisa disso.

— Eu não vivo sem você, Fabí.

— Anselmo, a gente não vive sem ar e sem água, mas sem pessoas vivemos, sim. Levante-se daí, vá. Oxente!

— Quem é ele? Eu conheço? É seu colega?

— Não é ele, Anselmo. É ela. Eu gosto de mulheres.

— É por isso que você está terminando comigo?

— Não. Eu só não quero sentir algo por outras pessoas enquanto estou com você.

Depois de implorar muito, Anselmo conseguiu outra chance com Fabí, que era exageradamente generosa.

Mas o ciúme doentio de Anselmo se aguçou e ele chegou a instalar câmeras de vigilância no apartamento dela. Mesmo sabendo que nada poderia fazer com provas contra Fabí, ele fazia mesmo assim. Instalou as câmeras, colocou detetives para segui-la. Viu fotos dela com belas mulheres. Sentia o rosto queimar, dizia aos detetives que acabaria o relacionamento com ela e demitia os profissionais a cada descoberta. Mas acabou fazendo um acordo com Fabí: poderia sair com mulheres, mas jamais com homens.

Ela prometeu, mas ele não acreditava. Se descobrisse que ela estava saindo com homens, o mínimo que aconteceria era ela querer terminar com ele e isso ele não queria. Então sua investigação era inútil. O que ele não contava era com a descoberta dela. Ela achou, com a ajuda de um amigo, as câmeras em sua casa.

— Você é um doente, Anselmo. — Fabiana estava furiosa. Ele conseguira tirá-la do sério.

— Fiquei com medo, meu amor.

— Não me chame de meu amor. Nós já havíamos conversado. Eu aceitei essa palhaçada porque o vi a ponto de ter um colapso nervoso, mas agora não tem jeito.

— Fabí, por favor, me perdoa. Não acreditei que você fosse ficar só com mulher.

— O que mais você fez, hein? Eu nunca levei mulher nenhuma para a minha casa. Mandou me seguir também? — Fabí perdera a cabeça e remexera o apartamento dele. Revirara as gavetas da biblioteca, da cozinha, do armário do quarto e até do banheiro. Achara as fotos que os detetives tiraram em cima do armário em uma caixa de sapatos. — Se saia da minha vida, está bem? — Mandara ofegando enquanto jogava as fotos em cima dele. Tinha o rosto molhado de lágrimas. — Não quero ver você nunca mais — dizendo isso, mencionou sair e Anselmo insistiu de novo.

Mais uma vez Fabí cedeu e aceitou se casar com ele, a contragosto.

Ângela sorriu ao pegar a correspondência e ver o convite de casamento do irmão sobre a mesinha da sala. Apesar de serem muito próximos, melhores amigos até, Ângela perdera o contato físico com ele desde que ele se mudara para Salvador.

Anselmo e Ângela sempre foram muito amigos. A despeito da diferença de quinze anos que havia entre eles, tinham uma linda relação fraternal. Alicia, a mãe deles, sempre se mostrou muito feliz com a união dos filhos. Tanto que desencarnou aliviada. Ângela tinha apenas oito anos de idade. Alicia sabia que as filhas mais novas estariam em boas mãos, pois seus dois filhos mais velhos, Anselmo e Denise, eram responsáveis e cuidadosos.

Ângela temia não poder se ausentar para ir ao noivado do irmão, mas teve tanto apoio do pai e da irmã, Denise, que resolvera tirar uns dias de folga.

Continuava tratando a todos com aspereza, muitas vezes chegava a ser cruel e maldosa, porém atendia de graça em um hospital que cuidava de crianças na zona oeste da cidade.

Devido às condições precárias do local, Ângela levara uma menina de oito anos para fazer uma cirurgia muito cara no Bueno Sanchez. Movera tudo e arcara com todas as despesas para salvar aquela vida.

— Por que isso, filha? Você já é uma médica de renome, não precisa usar desses artifícios para ter mérito — Clovis falou para a filha.

— Papai, faço isso porque gosto. Nesse ramo eu já tenho emprego garantido. Mas aquelas crianças são carentes de médico, de apoio. E ela morreria se não fosse operada.

— Tudo isso por causa do filho perdido?

— Você não vai entender nunca, pai. Gosto do que faço. E vejo nelas o agradecimento que preciso para continuar.

— Você já doa rios de dinheiro a instituições de caridade, não precisa...

— Papai — Ângela sorrira, cortando-o —, olha só o que você está falando. Dinheiro não compra tudo. Aquelas crianças precisam de carinho também. Enquanto eu puder vou fazer isso, sim. O cansaço é satisfatório.

— Não entendo, mesmo. Você tem as mãos de ferro e o coração de manteiga. Trata com aspereza, pessoas próximas, mas ajuda os de fora.

— Eu sei o que faço, papai. Essas pessoas próximas me conhecem assim e não nego ajuda quando precisam.

— Ok. Você é uma incógnita, minha filha. — Deixara-a se preparando para viajar depois de passar no hospital de crianças com câncer.

Ângela olhara na direção em que o pai saíra e ficou pensando no que ele disse. Não sentia vontade nenhuma de mudar seu comportamento. Sentia falta de algo, mas se sentia feliz com o olhar grato daquelas crianças. Não deixaria de tratar a todos friamente como sempre fazia. Mas sentia que sua vida mudaria radicalmente depois daquela viagem.

A vida nos reserva muitas surpresas em suas curvas e esquinas, só precisamos saber a hora certa de agir e não parar, não descansar até encontrar o que é nosso.

As Vidas de Um Amor (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora