— Então foi assim… — a garota abraçou Ícaro. — Mas não se preocupe. Eu sei que não é um monstro.
— Obrigado, Heloísa. — sorriu encantado com o jeito da criança.
Ergueu-se e despertou Dahlio.
— Onde você vive, Heloísa?
— Bem... Eu carrego poucas coisas, então tudo que tenho está no topo do abismo.
— Então não tem um lugar fixo para dormir?
Ícaro perguntava sobre isso, pois ele não morava dentro da vila, e sim na Caverna Vespertilio à leste de Afrat. Lugar onde pode treinar tranquilamente sem incinerar por ninguém em risco.
— Não... — a menina respondia em tom triste com a cabeça baixa.
— Tudo bem, então.
Ícaro pegou a menina nos braços e montou em Dahlio.
— Vamos voltar lá para cima e liberar o Dahlio.
— Por que liberar ele? — acariciava o novo amigo.
— Eu preciso voltar para a vila. Ainda tenho algumas coisas para resolver. Dahlio não poderia vir junto, pois é perigoso se descobrirem-no.
— Entendi...
Voaram até o topo do abismo. A garota conseguiu que Ícaro deixasse Dahlio com ela por mais um tempo, contanto que ninguém os visse. Enquanto isso, ele se dirigiu até a casa do ancião. Um caminho nada agradável devido a noite só ritual. As pessoas pareciam ter ainda mais rancor dele.
Chegando lá, quem o recebe é a anciã.
— Ícaro! — aproximou-se rapidamente para abraça-lo. — Onde esteve? Está bem? Você saiu sorrateiramente, ontem...
— Sim, Ávila. Eu estava refletindo um pouco... Onde está Heitor? Ele pediu que eu o procurasse depois que o evento acabasse.
— Ah, sim. Ele chegará em instantes.
Os anciões eram as únicas pessoas na vila que entendiam a tragédia, mas apesar do poder, não conseguiam mudar ou explicar o acontecimento. Ícaro sempre foi bastante próximo deles e isso afeta qualquer forma de defesa dos anciões para com ele. Por decisão própria, decidiu viver afastado de tudo e todos, pois preferia seguir por sua conta, a viver sob maus olhares enquanto protegido pelos cuidadores.
Alguns minutos depois o ancião retorna e vê Ícaro conversando com Ávila
— Ícaro. — chamou a atenção.
— Heitor... — cumprimentou.
— O que você estava pensando!? Deixou-se levar pelas palavras de Monte!?
— Mas... — foi interrompido.
— Você já é um adulto, Ícaro!
— Desculpe, Heitor. — abaixou a cabeça.
— Jogou fora quatro intensos anos de preparo. Parece que treinou todo o físico, mas o espiritual continua imaturo...
Ícaro apenas ouvia as palavras do ancião. Ficou entristecido ao ver a decepção que causou por um descontrole emocional. Ávila resolveu interromper Heitor.
— Pare, Heitor! Não vê que ele já está mal?
— Ávila, se eu não interrompesse ele teria matado Monte! Tem noção da guerra que seria gerado se o filho de Fajort fosse morto e logo por ele?
— Você está preocupado com guerra? E o peso que cairia sobre os ombros de Ícaro? Você sempre foi assim! Fala da imaturidade dele, mas parece não ter evoluido muito, Heitor.
Ávila da as costas e busca uma pequena caixa de madeira. Agora Heitor também estava de cabeça baixa.
— Ícaro. Encontramos isso no chão, ao lado do gigante que derrotou, anos atrás. Acreditávamos que era apenas um espólio de guerra, mas emanava um poder muito grande. Parece possuir algum tipo de encantamento de proteção. Heitor queria entregá-lo assim que viu, mas ao ver você se dedicando de corpo e alma para se tornar líder da próxima geração, guardou nesta caixa e decidiu presentear você apenas após o ritual.
— Eu tinha certeza que ganharia a luta, apesar de estar só ou contra quem lutasse. — disse Heitor, tomando a caixa das mãos de Ávila. — Devido ao acontecimento de ontem, não pude concluir o plano. — riu.
Uma lágrima discreta escorreu dos olhos de Heitor. Ávila enchugou a lágrima por ele.
— Antes de entregar a você, quero que faça um favor, não só para mim, mas para todos. — agora as lágrimas tomaram força e dominaram o rosto do homem.
— Pode me pedir qualquer coisa Heitor. Eu farei. — declarou, Ícaro.
— Fajort soube do acontecimento de ontem. Hoje um de seus mensageiros veio e me disse que ele quer que nós o entreguemos para que receba devida punição. Eu disse que você não vive na vila e por isso não temos controle sobre seus atos. Apenas piorei tudo, pois assim ele pode fazer o que quiser com você em público. Você tem noção do poder que aquele homem tem, Ícaro. Então Ávila e eu queremos que fuja.
— Você disse bem, Heitor. Pelo mesmo motivo quero que ele venha. Ele tinha o poder de nos ajudar e nada teria acontecido se ele fizesse. Mas simplesmente nos deixou passar por aquele desastre! Eu quero que ele venha! Tenho assuntos a tratar com ele também.
— Eu peço que não fique Ícaro. Não podemos impedir que faça nada, mas entenda! — Ávila se envolveu. — Qualquer ato seu vai cair sobre nós. Ninguém aqui tem força para parar aquele homem. Se ele não conseguir o que quer, ira destruir nossa vila. Eu entendo seus sentimentos, mas não trará nada de bom, nem pra você, nem para a vila. Por favor, Ícaro, fuja! Mesmo que impeça ele, outros mais fortes virão, alem de que não terá apoio de ninguém além de nós.
Na mesma hora que Ávila pediu que Ícaro fugisse, trouxe a memória de Luna pedindo que ele não enfrentasse o gigante e também dizendo para ele correr. As palavras tiveram peso. Ele não queria cometer o mesmo erro duas vezes.
— Tudo bem... — rendeu-se. — Eu vou embora, mas pra onde devo ir? Não conheço nada além do nosso território.
— Pra qualquer lugar longe daqui. O mundo é imenso, Ícaro. Assim como sua irmã, sei que tem o desejo de explora-lo.
— Espere um momento, Ícaro. — disse, Heitor.
O ancião vasculhava alguns papéis e pergaminhos apressadamente. Ávila e Ícaro não entendiam muito bem. Heitor reuniu algumas coisas e trouxe até Ícaro.
— Veja, isto é um mapa que desenhei décadas atrás, quando eu era jovem. — abriu o pergaminho mostrando a Ícaro. — Ele não passa da grande cidade comercial, lugar onde conheci um amigo. — apontava para o limite do mapa. — Veja que há varias coisas interessantes para explorar. Antes de visitá-los, quero que vá na cidade e leve esta carta. — entregou a Ícaro. — Lúcio é o nome do homem a quem deve entregar. Ele é bastante conhecido por lá, então basta perguntar para as pessoas e dirão onde encontra-lo.
Em seguida Heitor entregou o mapa e a caixa. Despediram-se com calorosos abraços e em seguida Ícaro foi até a caverna onde vivia para buscar seus pertences. Retornando para o abismo escutou a zoada e Dahlio e Heloísa.
Espiou para ver o que estava acontecendo e os viu brincando. Passou um tempo observando e relembrando de quando tinha idade para fazer o mesmo. Após alguns minutos teve uma ideia e revelou-se.
— Dahlio, Heloisa.. Aconteceu alguma coisa?
— Não. Tudo bem, Ícaro? O que é isso? — referia-se ao saco de couro que Ícaro carregava.
— Bem... Imprevistos surgiram e terei que viajar por um tempo.
— Viajar? Pra onde vai?
— A princípio tenho que ir a Arce Magnas, realizar uma vontade para o ancião. Após isso, ainda. Ao decidi.
— Entendi... — respondeu entristecida dando um passo para trás. — Vocês dois vão juntos então.
— Dahlio! Vem cá.
Ícaro sussurrou sua ideia ao ouvido do companheiro.
— Bem... Heloísa... — caminhou até a garota e ajoelhou-se ficando de sua altura. — tenho um favor a te pedir.
— O quê?
— Quero que fique com o Dahlio enquanto estou fora...
Um sorriso incontrolável tomou conta da face da menina.
— Não posso deixar ele sozinho aqui, é muito perigoso.
— Claro! Eu cuido dele! — saltou nos braços de Ícaro.
Tempos depois de explicar como cuidar do dragão, afagou seu companheiro e deu início a sua caminhada solo para a cidade. Apesar de não conhecer bem a garota e ser muito nova para se responsabilizar pela vida de um animal, ainda mais um raro. Sabe que pode confiar nela e Dahlio também sabia muito bem como se virar. Ícaro nunca precisou estar alimentando-o todos os dias. Eram companheiros de igual para igual.
Apesar de tudo, estava feliz de ter encontrado alguém tão carismático quanto Heloísa, antes de partir. Aliviava-se ainda, de ter que esconder Dahlio durante as viagens para evitar problemas.
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Ícaro, O Filho do Sol
DiversosEm desenvolvimento (Créditos da imagem de capa: TheRafa)