Capítulo 1

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 A parte mais difícil é se autodescrever. Pelo menos pra mim. Seria falta de educação da minha parte se eu não me apresentasse logo de cara. Como eu poderia dizer?
Olá! Me chamo Alice, tenho 23 anos, moro no Rio de Janeiro, gosto de correr, sou apaixonada por livros e pela minha família. Sou uma leitora ávida, quase compulsiva. Creio que você também seja uma, não? Eu não quero entrar em detalhes, senão você vai descobrir tudo de cara. Vou te contar aos poucos. Aguente aí!
Não, não é um mistério. Mas eu vou te contar a minha história.

Venho de uma família de leitores, se é que alguém considera esse termo, mas a verdade é que minha família tem uma relação imensa com livros. Meu avô foi vendedor de enciclopédia, muito pobre, vendia livros de porta em porta, até que um dia ele conseguiu abrir a própria editora de livros. Todos da família trabalham na editora.- inclusive eu, e cá estou, pois sou uma apaixonada por livros como ele.
Uma hora eu te falo sobre meu avô, o meu melhor amigo.

Semana de carnaval, viajei para São Paulo a trabalho  por uns dias,  mas voltei em tempo pra casa. Eu tenho um noivo, e ele se chama Maurício. Nós nos conhecemos desde que eu me conheço por gente. Nossas famílias são amigas. Nós combinamos de viajar no carnaval  para a Bahia. Nunca fui lá nessa época, pois meus pais são do tipo super protetores, sabe? Às vezes é um pouco chato. Eu nasci prematura, sou filha única, e minha mãe morre de medo de me perder. Às vezes ela me sufoca! Quando eu fui morar sozinha, nossa! Foi um drama! Mas eu fui por querer espaço - exatamente o que ela não me deixava ter em casa! Fora que eu queria poder passar a noite com meu namorado, digo noivo, sempre que eu quisesse.

O avião pousou, peguei minha mala, e tomei um táxi. Eu tinha certeza que as ruas estavam lotadas, pois era sexta-feira de carnaval. Duvido que chegaria em 30 minutos. O táxi cortou a cidade, passamos no Aterro do Flamengo, olhei meu celular, conversei com o taxista e nada. Nenhuma mensagem. Passamos pelo túnel que liga Botafogo a Copacabana, vi diversas pessoas na rua. O carnaval começou. Ruas lotadas, gente fantasiada, homens urinando em todos os cantos como se fossem cachorros... O táxi parou na esquina da Rua Santa Clara com Domingos Ferreira. Paguei a corrida, agradeci e saí para a noite quente de Copacabana.

Puxei minha mala em direção à Avenida Atlântica, e ela fez "toc-toc" nas pedras portuguesas. Confesso que odeio essas pedras arrancadoras de salto. De quem foi a ideia de colocá-las pelo Rio de Janeiro? Só na calçada da praia já não bastam? Essas pedras são viradoras de pés! Devem ter muitos pés torcidos por causa delas! E topadas? Coitados dos idosos!

Entrei no prédio onde Maurício mora, tomei o elevador até o 10º andar. Tenho a chave do apartamento e entrei sem fazer barulho. Deixei minha mala próxima à porta e segui em direção ao quarto. Garrafas de bebida, copos, meia luz e música me chamaram a atenção. Franzi o cenho. Segui em direção ao quarto de Maurício e parei na porta.

Deitada, o lado do homem que me fez juras de amor, estava uma mulher nua. Ninguém percebeu a minha presença. Ali permaneci paralisada. 

O que eu poderia fazer naquele momento? Matá-lo? Bater nele? Poderia cantar aquela música dos 50 reais... E a mulher? Eu deveria bater nela? Não! Seria tentador. Mas eu não estragaria minha vida por alguém que não valia a pena.

 Ali estava o homem que me pediu em casamento na noite de ano novo, em Paris, debaixo da Torre Eiffel, da forma mais romântica possível. Ali estava a prova de sua infidelidade.

Peguei meu celular e tirei uma foto, pois precisava guardar a evidência de sua traição. Dei meia volta e esbarrei sem querer em garrafas de cerveja largadas no chão. Maurício tinha sono leve, e com o barulho, acordou. Sonolento olhou para mulher e em seguida para mim, arregalou os olhos ao me ver parada na porta.

Ele levantou da cama assustado, nu, tropeçou no lençol e caui no chão. Cena ridícula! A mulher sequer se mexeu. Deveria estar muito bêbada. Saí rápido do quarto, peguei minha mala e tranquei a porta por fora. Quebrei a chave para que ele não saísse atrás de mim. Queria ver arrumar um chaveiro aquela hora e em pleno carnaval.

- Alice - Não queria ouvir suas desculpas. - Alice, me deixe explicar. Não significa nada!

Para a minha sorte, o elevador me aguardava. Enquanto o elevador descia, coloquei meu telefone no modo avião. Cheguei a rua e agradeci por ela estar lotada, pois caso Maurício conseguisse sair, ele não me acharia no meio de tanta gente. Agradeci a Deus por ser pequena, pois isso também ajuda.

O que faria nesse momento? Se eu fosse para casa, ele iria atrás de mim. Se eu fosse pra casa de algum parente também iria. O ideal seria ficar em um hotel.

 Arrastei minha mala até a Rua Nossa Senhora de Copacabana e dei sorte de logo tomar um táxi. O motorista me perguntou para onde ir, e pedi pra me deixar em São Conrado.

Enquanto encarávamos o trânsito engarrafado da Zona Sul, de novo, fiquei pensando no que aconteceu. O homem que jurou me amar... Tudo se perdeu. Tudo em vão. A vida que eu pensei ser perfeita se acabou.

Durante o trajeto bloqueei seus número, liguei a internet do celular, avisei às minhas amigas que dormiria em um hotel, coloquei meu celular em modo avião.  Meus pais estavam viajando, mas também não informaria minha mãe, pois faria diversas perguntas, e ela adorava ao Maurício. Capaz de ficar do lado dele e dizer que eu tinha que aceitar, que é coisa de homem.

O táxi me deixou em um apart hotel, em São Conrado, pedi um quarto, me registrei com outro nome e subi. Tomei um banho, fiquei revivendo a cena na minha cabeça, comi e tentei dormir. Não sei se deveria chorar, se deveria  sofrer... Não derramei uma lágrima sequer. O que eu senti? Nojo, asco, repulsa, talvez indiferença... O que ele fez é imperdoável.  

Sol da ManhãOnde histórias criam vida. Descubra agora