Quarta-feira, 18 de janeiro
Estamos na Boa Vista e fomos hoje à casa de uns amigos que eram tão
bons para nós, todas as vezes que aqui vínhamos. Obsequiavam sempre a
mamãe com frutas, ovos, frangos e verduras.
Esta amizade ficou forte com a parecença de Luisinha, minha irmã, com a
sobrinha deles que estava fora. A mulher, Dona Mariquinha, dizia sempre que
nos via: “Que saudades da Quitinha! Vendo a sua menina, parece que estou
vendo a outra, Dona Carolina. É cara duma, cara doutra, sem tirar nem pôr.
Ainda hei de juntar as duas para a senhora ver”. Mamãe dizia: “É pena mesmo a
sua não estar aqui”. Ela dizia: “O dia chegará, Dona Carolina”.
E íamos ganhando os presentes e comendo de todas as frutas que havia no
quintal, ela sempre dizendo: “Deixe as meninas à vontade, Dona Carolina.
Parece que estou vendo a Quitinha fazendo arte. A senhora não avalia quanto
eu quero àquela menina. Eu e Juca não tivemos filhos e ela é mesmo que filha
para nós. Está sempre aqui, mas foi passar o Natal com os pais no Mendanha e
ainda não voltou. Mas duma hora pra outra ela está de volta e eu mando Juca
chamar sua menina para a gente comparar”.
Nós íamos aproveitando a parecença e comendo as frutas. Chegou o dia.
Seu Juca passou, a cavalo, e mesmo sem apear disse a mamãe: “Mariquinha
manda dizer que a Quitinha chegou e que ela espera a senhora lá hoje, com as
suas meninas”. Mamãe respondeu que esperava só meu pai para lhe dar almoço
e depois irmos.
Nós ficamos logo alvoroçadas. O único lugar de toda a redondeza que tem
frutas é a chácara de Seu Juca. Frutas e verduras. Nem sei como eles plantam
assim. Aqui na Boa Vista só querem minerar. É só diamante e ouro; não cuidam de outra coisa. Para plantar, eles todos dizem que a terra não presta. Mas agora
nem sombra de fruta a gente verá mais, nestas férias, por culpa de Cesarina. A
demônia da negrinha entortou o caldo todo.
Meu pai veio almoçar e disse a mamãe que ia passar no serviço, para ver o
que estavam fazendo, e depois íamos juntos. Engolimos a comida depressa.
Passamos no serviço, estavam desbarrancando. Meu pai deu umas ordens e
seguimos felizes, pelo campo afora, sem imaginar nem de longe o que ia
acontecer.
Chegamos à casa de Seu Juca: “Entrem todos. Que prazer!”, disse Dona
Mariquinha. “Hoje é que vamos comparar as duas. Sentem aqui que eu vou
buscá-la.” Tomamos assento na sala e Cesarina no chão, perto de nós. Vem de
lá de dentro Dona Mariquinha com uma menina sardenta pela mão, e Cesarina
diz baixinho para Luisinha: “Olha só, Zinha, a menina que parece com você”, e
foi estourando de riso e nós com ela, num acesso tão forte que mamãe, com
medo também de estourar, deixou meu pai sozinho ficar dando explicações.
Meu pai dizia: “Coitadinhas, que idiotas! É assim o dia inteiro, Dona
Mariquinha. Eu tenho até pena. Sem motivo nenhum caem nesse frouxo de
riso”. Mamãe, meio engasgada, disse: “É mesmo, Dona Mariquinha. Às vezes
fico pensando que tivemos algum doido ou bobo na família, a quem elas saíram.
Esta negrinha é a mesma coisa. E a senhora pensa que isto acaba? Quando
começam pode-se esperar, que é um tempão”. Meu pai: “Imbecis! Idiotas!
Acabem com isso!”. E nós sem darmos acordo de nós.
Dona Mariquinha disse à sobrinha: “Vá lá pra dentro, minha filha”. A
menina entrou e nós saímos correndo para a porta, sem parar de rir. Dona
Mariquinha ficou com uma cara tão fechada, que meu pai e mamãe tiveram de
sair e vieram nos ralhar cá fora. Isto é, meu pai; porque mamãe é como nós. É
dela que puxamos esse riso solto.
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