16 Adrian

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Foi difícil dormir depois que Sydney partiu. Não conseguia deixar de lado o medo que sentia em relação aos perigos que ela iria enfrentar, nem o fato de que não poderia estar lá para protegê-la, por mais que ela fosse corajosa, astuta, competente e
provavelmente melhor em me proteger do que o contrário. A vontade de cuidar dela era Forte demais.
Também foi difícil dormir porque minha cama era um pufe gigante.
— Tem certeza que não quer o sofá? — Marcus perguntou.
Balancei a cabeça e dei alguns soquinhos no pufe para deixá-lo num formato mais aconchegante.
— Pode ficar — eu disse. — Não sei se vou conseguir dormir de qualquer jeito.
Ele sorriu.
— Howie deve ter alguma coisa para ajudar você a dormir.
— Não, obrigado — eu disse, bufando.
Marcus apagou as luzes e se ajeitou no sofá amarelo-mostarda. O silêncio tomou
conta da sala, interrompido às vezes pela melodia suave de “Mr. Tambourine Man” que
vinha do porão. Me revirei algumas vezes, procurando uma posição confortável, mas não
tive sucesso. Em vez de pensar em Sydney, tentei pensar no dia seguinte, quando ajudaria
as bruxas a interrogar Alicia. Não era exatamente um pensamento relaxante, mas pelo
menos me ajudava a direcionar minhas emoções para outra coisa além do meu
nervosismo por Sydney. Antes de ir embora, Maude tinha falado que viria me buscar na
tarde do dia seguinte. Pelo que entendi, as bruxas estavam ocupadas protegendo o lugar
onde Alicia estava, ao mesmo tempo que tentavam descobrir uma forma de levar a sra.
Terwilliger até lá sem que os espiões alquimistas a seguissem.
Por incrível que pareça, apesar de todos os pensamentos, finalmente caí no sono. E, mais incrível ainda, fui levado para o sonho de espírito de outra pessoa. Quando um
exuberante jardim tropical se materializou devagar ao meu redor, soube quem era a
criadora do sonho antes mesmo de ela aparecer.
— Oi, Sonya — eu disse.
Ela saiu de trás de um arbusto de madressilva, usando roupas simples de
jardinagem, mas com o cabelo ruivo impecável.
— Adrian — ela cumprimentou. — Está difícil te encontrar nos sonhos
ultimamente. Nunca sei que horário você está seguindo.
— Nenhum em especial — admiti. — Não tenho dormido direito. A gente anda
ocupado.
— Percebi. Estão falando que os alquimistas já sabem que vocês saíram da Corte.
— Pois é. — Me recostei numa palmeira. — Você poderia ter ligado se queria
conversar.
— Sim, eu sei — ela disse. — Mas queria conversar pessoalmente. Além disso, tem
uma coisa que você só poderia ver em sonho. Ou melhor, uma pessoa.
Levei um momento para entender o que ela queria dizer.
— Charlotte.
O rosto de Sonya se encheu de tristeza.
— Sim. O estado dela acordada não mudou muito. Não está exatamente em coma,
mas também não interage muito. Se você colocar comida na frente dela, ela come. Se ligar
o chuveiro, ela entra embaixo dele. Mas toma poucas atitudes sozinha. E nunca fala nada.
O choque dessa notícia me fez perder o equilíbrio e usei um pouquinho de espírito
para criar um banco e sentar.
— Tem alguma esperança de melhora? — perguntei.
— Não sei. — Sonya sentou ao meu lado. — Quer dizer, estou torcendo para que
tenha. Nunca quero dizer que não há esperança. Mas aquela sobrecarga de espírito… foi
demais, e quase sem nenhuma preparação. Ela já estava num estado frágil por causa do
uso excessivo e não estava apta para aguentar o que invocou. A consequência disso foi
enorme.
Meu coração bateu mais forte.
— Devia ter dado um jeito de impedir.
— Não sei se teria como, Adrian. Ela estava decidida a fazer o que fosse necessário
para encontrar a irmã.
Hesitei, quase com medo das minhas próximas palavras.
— Eu a encontrei. Encontrei Olive e descobri por que ela fugiu. Mas… Bom, essa
história não tem exatamente um final feliz.
Sonya não pediu mais detalhes.
— Não sei se contaria a ela.
— Contar a ela? — perguntei.
— Sim. Essa é uma parte do motivo por que queria conversar com você. Como
Charlotte não respondeu pessoalmente, tentei chegar até ela em sonhos de espírito. No
começo também não deu certo. Depois consegui… quer dizer, mais ou menos. Vou te
mostrar.
Ela ficou em silêncio e fixou o olhar numa clareira do jardim. Depois de um
momento de forte concentração, surgiu um enorme bloco retangular de pedra. Nele, havia
uma pequena abertura protegida por grades. Levantei e observei o lado de dentro, tomando um susto com o que vi. Charlotte estava sentada na pequena cela de pedra, no
chão, envolta por sombras.
— Charlotte! — exclamei.
Ela olhava fixamente para a parede de pedra, sem dizer nada, com o rosto
inexpressivo.
— Charlotte? Está me ouvindo?
Sonya foi até mim.
— Acho que ouve, mas não consegue responder.
Apontei para a prisão de pedra em volta dela.
— De onde veio isso?
— Da mente dela — Sonya respondeu. — É assim que ela se vê: presa. Mas,
sinceramente? O fato de ela aparecer desse jeito já é promissor. Antes a mente dela nem
tinha forças para se conectar comigo. Minha esperança é que, com o tempo, ela avance
mais. Por isso converso com ela pessoalmente e em sonhos. Achei que você gostaria de
saber, caso quisesse visitá-la também.
— Quero — respondi, ainda me recuperando do choque com o estado dela.
Mesmo quando Sydney estava presa e sob tortura, a mente dela tinha permanecido forte o
suficiente para criar uma conexão em sonhos de espírito. Que tipo de dano Charlotte
havia sofrido para ficar nesse estado? Era esse o perigo que eu corria com o uso contínuo
do espírito?
— Acho que é bom que pessoas diferentes conversem com ela — Sonya disse, com
cautela. — Mas acho melhor evitar certos assuntos até ela se recuperar. Como finais
tristes.
Ela não precisou explicar mais. Saber a verdade, saber que Olive tinha morrido,
provavelmente não seria nada terapêutico para a recuperação de Charlotte. Assenti e voltei
a me aproximar da janela da pequena prisão.
— É bom ver você de novo, Charlotte. Tem tantas coisas que queria te contar…
Muitas são sobre Olive. E outras… outras são realmente incríveis. — Abri um sorriso ao
pensar em Declan. — Você vai querer muito saber, então preciso que volte para nós logo,
tá?
Não houve resposta e sua expressão não mudou, nem mesmo quando mencionei o
nome de Olive.
— Vai demorar — Sonya disse, tocando meu braço de leve. — Mas tudo isso
ajuda.
— Obrigado por me informar sobre ela — eu disse. Ao encarar Sonya de novo, me
dei conta de que ela também ficaria muito interessada em saber sobre Declan. Não tinha
certeza, mas desconfiava que a forma como o espírito estava infundido nele era
exatamente a proeza que ela estava tentando replicar em sua vacina. Se pudesse vê-lo,
poderia fazer um progresso incrível. Mas era exatamente isso que Olive tentara evitar. Era
o motivo por que tinha morrido.
— Que foi? — Sonya perguntou, ao perceber meu olhar preocupado.
Abri um sorriso fraco.
— Nada. É só que tem muita coisa acontecendo.
— Imagino… e não quero atrapalhar. Só queria que você soubesse do progresso de
Charlotte e visse como pode conversar com ela.
— Obrigado — eu disse, dando um rápido abraço em Sonya. — Vou dar uma olhada nela de vez em quando. Me avisa se ela acordar no mundo real.
O sonho se dissipou e voltei para o meu sono, surpreso ao acordar na casa de
Howie quando já era quase meio-dia. Assim que levantei, comemos mais besteiras. Nunca
tinha sentido tanta vontade de comer salada na vida. Marcus me contou que Sabrina havia
mandado uma atualização sobre o complexo dos guerreiros. Todos estavam seguros e,
até agora, o disfarce estava convencendo.
Essa notícia me fez passar o dia até a chegada do crepúsculo, quando um carro
desconhecido parou na frente do esconderijo. Pude ver que Marcus estava quase tendo
um ataque até eu reconhecer Neil no banco do motorista.
— Jackie Terwilliger me mandou buscar você — ele explicou. — Eu a ajudei a sair
hoje e a se livrar dos alquimistas que estavam vigiando a casa dela. Ela está preparando as
coisas para Alicia agora.
Quando mencionou o nome de Alicia, sua expressão ficou sombria. Ela tinha esse
efeito nas pessoas.
— Estou meio surpreso por ser o “sortudo” a presenciar o interrogatório dela —
ele acrescentou. — Mas com Eddie em missão, e Rose e Dimitri fazendo alguma coisa
misteriosa na casa do Clarence, sou o único guardião livre.
— Você conversou com Rose e Dimitri? — perguntei como quem não quer nada.
— Vi os dois — Neil disse. — E sua mãe também. Passei lá hoje de manhã. Aliás,
ela estava cuidando de um bebezinho lindo. Ele é parte do motivo por que Rose e Dimitri
vão ficar por lá? Tive a impressão de que Rose queria muito vir comigo.
Hesitei. Neil ainda não sabia que era pai, nem que a mulher que ele amava estava
morta. Era um segredo enorme e terrível que ele merecia saber, mas, de novo, não era o
momento certo. E definitivamente não falaria sobre o assunto na frente de Marcus. Não
parecia certo mencionar isso como se fosse um assunto banal no caminho para o
interrogatório de Alicia.
— É uma longa história — eu disse apenas. — Depois te conto.
— Tudo bem — Neil disse. Os guardiões estavam acostumados a segredos e a não
saber de quase nada. Ele não insistiria, embora não soubesse o quanto esse segredo tinha
a ver com ele.
Falei para Marcus me informar assim que soubesse de qualquer novidade sobre o
progresso de Sydney e Eddie no complexo dos guerreiros. Depois de pegar alguns
salgadinhos na cozinha de Howie — ainda que, sinceramente, estivesse enjoado de todos
a essa altura —, eu e Neil seguimos viagem de volta à civilização de Palm Springs. Ao
longo do caminho, ele mencionou que tinha ficado sabendo do estado de Charlotte e, de
novo, precisei tomar cuidado para não revelar o grau do meu envolvimento. Obviamente
Neil também quis saber se eu descobrira alguma novidade sobre Olive, ainda mais
considerando o estado da irmã dela. Precisei dar uma resposta vaga, dizendo que não
tinha conseguido entrar em contato, mas odiei ter que mentir para ele. A decepção ficou
clara em sua expressão e percebi que também odiaria contar a verdade, pelo menos em
relação a Olive.
Logo depois, me contou que estávamos indo à casa de Maude, líder do Stelle.
Maude não só não estava sob vigilância alquimista, como, pelo jeito, tinha um calabouço
de verdade em casa. Pelo menos foi o que Inez disse quando chegamos.
Maude, que ouviu a conversa enquanto passava, revirou os olhos.
— Não é um calabouço, Inez. É uma adega.
Estávamos na sala, esperando outras integrantes do clã chegarem. Inez torceu o
nariz.
— É subterrâneo e tem paredes de pedra — ela retorquiu. — E não tem nenhuma
prateleira de vinho.
— Ainda não mandei instalar — Maude explicou.
— Só estou falando do que vi — disse Inez.
Jackie veio até nós.
— Bom, seja lá o que for, é incrivelmente útil agora. Lugares subterrâneos são
excelentes para conter magia. Podemos criar um círculo para impedir que Alicia tente
alguma coisa abominável e aí você pode cuidar do seu próprio tipo de magia, Adrian. Ah,
as outras chegaram.
Depois que entraram, chegou-se a um total de catorze bruxas. Segundo Jackie, havia
vários números sagrados na feitiçaria, mas, para oferecer a melhor proteção contra Alicia,
era necessário um círculo de treze, além de uma pessoa para realizar os outros feitiços.
Depois de dois dias paralisada, Alicia devia estar muito fraca, mas depois de todas as
vezes em que ela nos surpreendeu, ninguém queria correr riscos.
Descemos todos para o porão. Lá, encontrei Alicia paralisada exatamente na mesma
posição em que estava na casa de Wolfe. Acabei concordando com Inez sobre o lugar.
— Parece um calabouço mesmo — murmurei para ela. — Quem usa pedras tão
escuras para uma adega? Estava esperando alguma coisa mais toscana.
— Pois é! — ela murmurou em resposta.
Treze bruxas deram as mãos e formaram um círculo de proteção em volta de
Alicia, entoando feitiços para manter toda magia humana apenas dentro dele. Fora do
círculo, Maude usou as mesmas ervas e encantamentos com que tinha libertado Eddie no
complexo de Wolfe. Ao encarar Alicia, não pude deixar de sentir a mesma relutância
inicial das bruxas para libertá-la. Ela havia tentado matar Sydney e roubar o poder de
Jackie, além de ter deixado a irmã de Jackie em coma. Depois de tudo isso, tinha
capturado Jill e a entregado para os guerreiros, simplesmente para se vingar de Sydney.
Sério, Alicia merecia ser deixada na forma de estátua para sempre.
Mas, enfim, precisávamos de respostas.
Maude terminou o feitiço e saiu do círculo, posicionando-se ao lado de mim e de
Neil. Observamos Alicia ganhar vida novamente. Suas pernas cederam quando seus
músculos precisaram reaprender a funcionar de repente. No entanto, mesmo caída no
chão, ela grunhiu e ergueu a mão, soltando raios de luz que atingiram uma barreira
invisível formada pelas treze bruxas e se dissiparam, inofensivos.
— Vocês não podem me prender para sempre — ela gritou. — E assim que me
libertar, vocês todas vão pagar por isso!
Virei para Maude e cochichei em seu ouvido:
— Ela até que tem razão. O que vai acontecer depois?
— Não se preocupe — ela murmurou em resposta. — Assim como vocês Moroi
têm suas prisões, temos as nossas. — Limpando a garganta, deu um passo à frente e
entrou no campo de visão de Alicia, ainda fora do círculo. — Alicia, o que vai acontecer
com você vai depender do quanto colaborar. Quando você for levada à justiça, sua vida
pode ser confortável… ou muito desagradável.
Alicia expressou o que achava disso lançando uma bola de fogo contra Maude.
Também foi absorvida pela barreira invisível e pensei que Alicia devia se sentir sortuda pela parede protetora não rebater os feitiços de volta para ela.
Maude cruzou os braços e encarou Alicia sem hesitar.
— Sabemos que você participou do sequestro de uma jovem Moroi. Conte para
onde a levou.
Por um momento, Alicia pareceu surpresa com a pergunta, até me ver parado fora
do círculo. Ela riu.
— Cadê Sydney? Está com medinho de me enfrentar de novo?
Não deixe ela falar assim!, tia Tatiana mandou.
Com uma pequena quantidade de telecinese de espírito, fiz os braços de Alicia se
retorcerem em volta do corpo, como se estivesse usando uma camisa de força. Seus olhos
se arregalaram quando tentou levantá-los e não conseguiu.
— Sydney tem mais talento e integridade do que você jamais vai ter — eu disse. —
Você tem sorte de não precisar enfrentá-la de novo. Agora, conta pra gente aonde levou
Jill. Sabemos que ela está com os guerreiros. Mas onde?
— Se você contar, vamos mandá-la para julgamento e será uma prisioneira bem
tratada — Maude acrescentou. — Caso contrário, vamos paralisá-la de novo.
— Vocês vão precisar de mais do que ameaças e truques baratos para que eu conte
onde ela está. — Alicia me abriu um sorriso perverso. — Podem ter me capturado, mas
essa é uma batalha que Sydney nunca vai vencer. Nunca mais vão ver aquela pirralha
Moroi de novo.
Se ela machucar Jill… Tia Tatiana não terminou a ameaça, e não era preciso. A raiva,
incitada pela fúria da minha tia, cresceu dentro de mim. Me forcei a me controlar,
tentando manter a cabeça fria.
— Chega de joguinhos — eu disse. Soltei seus braços e redirecionei o espírito para
a compulsão. — Fale onde Jill está.
Os olhos de Alicia começaram a ficar vidrados, sua boca começou a abrir… E
então, surpreendentemente, ela se livrou da compulsão. Sua expressão voltou a
endurecer.
— Não sou tão fácil assim de controlar — ela disse.
— Deve ter se protegido com poções — Maude me falou. Jackie havia dito o
mesmo, que Alicia poderia ter usado todo tipo de proteção mágica, incluindo contra a
compulsão. — Não vai durar pra sempre. Mais alguns dias e todo o efeito vai passar.
Rangi os dentes e aumentei o uso de espírito.
— Não. Vamos conseguir respostas hoje. — Com a magia renovada, voltei a me
focar em Alicia. — Fale onde Jill está.
Novamente, Alicia tentou me desafiar, mas, dessa vez, teve mais dificuldade para me
enfrentar.
— Com… com os guerreiros.
— Isso já sabemos — eu disse. — Onde? Onde estão mantendo Jill?
Tentar compelir Alicia era como tentar abrir uma porta que alguém estava
empurrando do outro lado. Nós dois estávamos dando tudo que tínhamos. Sua força de
vontade e a tal poção que havia tomado eram fortes, mas eu tinha certeza de que meus
poderes eram mais. Aumentei novamente a quantidade de espírito correndo pelo meu
corpo, sabendo que, a essa altura, uma pessoa sem tanta força de vontade estaria de
joelhos diante de mim. Os avisos de Sydney se repetiram na minha cabeça, mas continuei
mesmo assim. Precisávamos de respostas.
— Onde os guerreiros estão mantendo Jill? — perguntei.
Dava pra ver que Alicia estava suando agora, lutando contra o meu poder.
— Em… em Utah — ela deixou escapar finalmente. — St. George. Um complexo
lá. Mas nunca vão chegar até ela! Nunca vão conseguir chegar até onde ela está!
— Por quê? — perguntei, forçando com a compulsão. — Por quê?
— Obstáculos… demais — ela disse, pálida e trêmula.
— Conte tudo — ordenei.
Ela continuou obstinada e eu estava prestes a compeli-la ainda mais. Com uma
avalanche de espírito, eu tinha certeza que poderia tê-la nas minhas mãos, de joelhos,
implorando para me contar tudo que sabia.
Vai!, mandou tia Tatiana. Faz essa bruxa pagar! Faz dela sua escrava!
Estava pronto para isso, mas de repente uma imagem do encontro com Sonya no
sonho da última noite me veio à mente. Ou, para ser mais específico, lembrei de
Charlotte em sua cela e das palavras de Sonya sobre as consequências do uso excessivo de
espírito. Não podia quebrar minha promessa para Sydney de que manteria as coisas sob
controle.
Sydney não poderia ter previsto isto, argumentou tia Tatiana. Você é mais forte do que
Charlotte. Não vai acabar como ela.
Não, falei à voz fantasma. Não vou correr o risco. Vou ser fiel à minha palavra.
Com grande relutância, soltei a compulsão e o espírito direcionado contra Alicia.
Ela caiu, dessa vez por pura exaustão mental.
— Isso é o bastante por enquanto — eu disse. — Podemos encontrar esse lugar
em St. George. — Fosse através da investigação de Sydney, pela eventual ajuda dos
alquimistas ou mesmo pelas informações de Sabrina, não poderia ser tão difícil agora que
sabíamos a cidade. Gostaria de saber mais sobre os “obstáculos”, mas não tinha motivos
para me esgotar se ela provavelmente só fosse falar de guerreiros malucos e armados. Os
guardiões poderiam cuidar deles. Já tinham feito isso antes.
— Precisa de mais alguma coisa antes de a paralisarmos de novo? — Maude
perguntou.
Os olhos de Alicia se arregalaram.
— Você falou que não me paralisaria se eu cooperasse!
— Isso não foi exatamente cooperar — Maude respondeu com frieza.
Fiz que não.
— Isso basta por enquanto. Se precisarmos de mais, aviso vocês.
— Não! — Alicia gritou. Bolas de fogo se formaram nas mãos dela e começou a
lançá-las inutilmente contra a barreira invisível. — Não vou entrar naquele estado de
novo! Não vou! Vocês não podem…
Mas Maude estava lançando o feitiço ao meu lado e, um minuto depois, Alicia ficou
paralisada novamente, agora numa postura pronta para lançar bolas de fogo, ainda mais
ridícula do que a anterior. As bruxas liberaram o círculo e Jackie veio falar comigo.
— Tem certeza que conseguiu tudo que precisava? Fiquei com a impressão de que
queria perguntar mais.
— Queria — admiti. — Mas as defesas dela eram fortes. Vou passar a informação
sobre St. George para os meus contatos e ver o que podem descobrir.
Jackie assentiu.
— Muito bem, então. Conversei com Maude. Se quiser, pode ficar aqui na casa dela até o próximo passo do plano. Assim você fica mais perto da ação e, pelo que me
falaram, aqui tem muito mais espaço do que o último lugar em que ficou.
— Tomara que tenha mais frutas e verduras também — acrescentei. Lancei um
olhar para Neil. — Você é o especialista em segurança. Aqui é seguro?
— Acredito que sim — ele disse depois de um momento de reflexão. — Ninguém
seguiu nenhum de nós. E, se não tiver problema para ela, também posso ficar para
proteger você.
Agradecemos Maude pela hospitalidade e tentamos não atrapalhar enquanto as
bruxas terminavam de arrumar as coisas. Pelo que entendi, Alicia seria transportada para
um julgamento e uma prisão mágica, mas, por enquanto, continuaria na adega-calabouço.
Felizmente, eu e Neil ficamos com quartos de hóspedes no andar de cima. Mandei a
informação sobre St. George para Marcus, e decidi que finalmente era hora de dar a difícil
notícia a Neil, já que pelo visto ficaríamos ali por um tempo.
— Neil — comecei, quando ficamos sozinhos no quarto dele —, precisamos
conversar.
— Claro — ele disse, tranquilo. — É sobre Jill?
— Não tem nada a ver com ela, na verdade. — Apontei para a cama. — Acho
melhor você sentar.
Neil franziu a testa, inquieto pelo meu tom de voz.
— Vou ficar de pé, obrigado. Só me fala o que está acontecendo.
Cruzei os braços como se pudesse me proteger de todo o sofrimento que estava
prestes a despertar. Até então, não tinha percebido o quanto estava lutando para impedir
que aquilo me machucasse.
— Neil, não tem nenhum jeito fácil de dizer isso… e sinto muito por ser a pessoa a
te contar… mas Olive morreu há dois dias.
Neil não soltou nenhum ruído, mas seu rosto ficou pálido. Tão pálido que achei
que ele fosse desmaiar.
— Não — ele disse por fim, depois de um longo silêncio agonizante. — Não pode
ser. — Ele balançou a cabeça obstinado. — Não.
— Ela foi morta por um Strigoi — eu disse. Enquanto havia sofrido para encontrar
as palavras no começo, me vi falando sem parar. — Ela estava hospedada numa
comunidade dampira. Em Michigan. Um pequeno grupo de Strigoi atravessou as defesas e
atacou a comunidade. Suspeitamos que eles mandaram um humano tirar uma das estacas
de defesa. Seja como for, eles entraram e Olive foi atacada enquanto estava fugindo e…
— Espera — Neil interrompeu. Num piscar de olhos, seu rosto aflito ficou sério e
cético. — Olive não fugiria de uma luta. Muito menos de um grupo de Strigoi. Mais do
que ninguém, ela tentaria se defender.
Aquela agonia terrível voltou a correr por mim.
— Ela estava fugindo para proteger o filho dela. Declan, o bebê de que minha mãe
está cuidando.
O silêncio encheu o quarto novamente enquanto as palavras entravam na cabeça
dele. Nesse momento, desejei ter esperado por Sydney. Ela teria feito um trabalho mais
eloquente explicando tudo.
— E nem era do Strigoi que estava fugindo — eu disse, quando Neil continuou a
me encarar em choque. — Neil, o bebê, Declan… ele é seu. Seu filho. Você é o pai.
A expressão de Neil ficou incrédula novamente, mas, dessa vez, era mais uma descrença atônita do que nervosa.
— Nós dois sabemos que isso não é verdade — ele disse. — Foi… foi por isso
que ela fugiu? Ela achou que eu a julgaria? Não tínhamos nenhum compromisso sério,
não de verdade. Eu era louco por ela, sim, mas foi só uma…
— Só uma vez, eu sei — completei. — Mas foi o suficiente. Não sei como, mas
alguma coisa aconteceu no corpo dela quando foi restaurada do estado Strigoi. Isso
permitiu que ela concebesse um bebê com você. Também não acreditei até verificar com a
minha magia. Definitivamente tinha um resíduo, sei lá, espiritual nele. É loucura, eu sei.
Mas ele é seu filho sim.
Neil sentou na cama, tão imóvel quanto uma estátua. Entendia seu sofrimento e
sentei ao lado dele.
— Neil, eu sinto muito.
— Olive morreu — ele disse, atônito. Ergueu os olhos para mim e piscou para
conter as lágrimas. — Se o que você está dizendo é verdade, se, de algum modo, por
algum tipo de magia, esse filho é meu, então por que a própria Olive não me contou? Por
que ela fugiu?
— Porque ela estava com medo dessa magia — eu disse. — E estava com medo do
que as pessoas diriam ou fariam, tanto os Moroi como os alquimistas. Escondeu o bebê
para protegê-lo de ser tratado como uma aberração da natureza, e prometi que ajudaria.
Neil ficou com o olhar vago por um bom tempo, mas acho que ouvir sobre proteção
despertou seus instintos.
— Quem sabe? Quem sabe sobre D… Declan?
— Sobre a verdadeira natureza dele? — Apontei para mim. — Só eu e Sydney. Rose
e Dimitri sabem que ele é da Olive, assim como algumas pessoas na comunidade. E só. A
gente achou que seria mais seguro se o mínimo de gente possível soubesse da existência
dele. Se descobrissem que, de alguma forma, talvez pelo fato de Olive ter sido restaurada,
os dampiros seriam capazes de ter filhos… Enfim, isso assustaria muita gente. Alguns
ficariam felizes, outros curiosos. Todos iriam querer saber mais sobre o bebê.
Neil continuou em silêncio e quase tão imóvel quanto a estátua de Alicia.
— Neil? — eu disse, um tanto aflito pelo estado de choque dele. — Vai ficar tudo
bem. Vou ajudar você. A gente vai dar um jeito de honrar o último desejo de Olive.
Declan vai ter uma vida feliz e normal. Quando essa história com Jill acabar, vamos juntar
você e Declan e…
— Não — disse Neil, enérgico de repente. Ergueu o olhar cortante para mim e,
embora sua expressão estivesse firme, havia uma tristeza terrível em sua voz. — Nunca
mais posso ver esse menino.

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