18 Adrian

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— Só olha pra ele — insisti. — Por favor.
— Não — disse Neil, desviando os olhos da tela de celular que eu mostrava. — Se
eu olhar… — Sua voz embargou e ele não conseguiu terminar.
Ainda estávamos na casa de Maude, esperando a próxima fase da operação, e eu tentava convencê-lo a desistir da ideia maluca de que precisava evitar Declan.
— Escuta — eu disse —, ninguém vai desconfiar se você criar esse bebê. Todo
mundo sabe que você amava Olive. Vão achar que está ajudando por causa disso, e não porque graças a um efeito colateral maluco do espírito vocês mudaram o mundo que a gente conhece.
Neil balançou a cabeça.
— Pouquíssimas pessoas sabem que Olive teve um filho. Isso é bom. Precisamos deixar as coisas assim e me manter longe disso.
Era a centésima vez que tínhamos essa conversa e isso já estava me deixando
maluco. Se Neil quisesse ficar longe de Declan porque, sei lá, não gostava de crianças ou tinha medo de virar pai, eu entenderia melhor. Mas era óbvio que Neil queria desesperadamente ver Declan e participar da vida dele. Dava para ouvir esse desejo na voz
dele.
— A gente encontra um jeito — eu disse. — Juro.
Havia uma expressão perturbada no rosto de Neil.
— Declan é um milagre — ele murmurou. — Precisa ser protegido e levar uma
vida normal. Uma vida normal e feliz.
— É o que também quero — eu disse, exausto. — Acredite em mim.
Estávamos sentados na varanda dos fundos, aproveitando o calor da tarde, quando
ouvimos a voz de Maude:
— Adrian? Tem visita pra vocês.
Entrei como um raio, com o coração acelerado e Neil atrás de mim. De fato era
Sydney, parada na sala com sua aparência normal. Eu a abracei, girando-a tanto no ar que
ela riu e me mandou botá-la no chão antes que ficasse tonta. Pus as mãos em seu rosto.
— Você está bem — eu disse, contente.
Ela me deu um soquinho de brincadeira.
— Você sabia que sim.
— Um telefonema é diferente de te ver pessoalmente — eu disse. Dei um beijo na
sua testa. — Quer dizer, sabia que você era competente, corajosa e incrível, mas, enfim…
não é fácil saber que sua mulher está arriscando a vida com um bando de maníacos
vampirofóbicos. — Enfiei a mão no bolso. — Ah, e não esqueça isso. — Fiquei de
joelhos e coloquei em seu dedo as alianças de diamante e rubi que estava guardando para
ela. — Como prometido. Quer dizer, tirando a parte sem roupa. Mas a gente pode cuidar
disso depois.
Fiquei esperando um “Adrian” em tom de repreensão, mas ela sorriu, cheia de
amor e felicidade. Pegou minhas mãos e me ajudou a levantar, parecendo prestes a me dar
um beijo, até lembrar que havia pessoas em volta. Sem graça, deu um passo para trás e
cruzou os braços, tentando parecer profissional. Eddie e Marcus pareciam se divertir com
aquilo tudo. Neil parecia intrigado, olhando estranhamente de mim para Sydney.
— Hora de voltar para o trabalho — ela disse.
— Agora sim — Eddie disse, ansioso. — Vamos resgatar Jill.
— Qual é o plano? — perguntei. Depois que ligara para Rose e Dimitri para contar
as informações sobre Jill e os alquimistas, tinha perdido a noção do que estava
acontecendo. Só sabia que Sydney tinha ajudado a elaborar a estratégia.
— Os alquimistas confirmaram que o lugar que conheciam em St. George é o
mesmo que está nos registros do laptop. Agora eles e os guardiões estão analisando todas
as plantas para tomar cuidado e elaborar um bom plano — Sydney explicou.
Fiquei contente com isso. Alicia estava convencida de que não estaríamos
preparados para ir atrás de Jill, mas não contava com as habilidades investigativas de
Sydney. Estava orgulhoso de mim mesmo por conseguir não usar todo o espírito. Na
verdade, vinha tomando muito cuidado com ele nos últimos dias, e tia Tatiana havia
permanecido incrivelmente quieta.
— Também conseguimos anistia por enquanto, então podemos ir com eles
livremente para St. George — Sydney disse, apontando para mim com a cabeça. — Não
que a gente possa fazer muita coisa durante a ação, mas pelo menos poderemos
monitorar as coisas e estar presente quando Jill for solta. Neil, Eddie e os outros vão
participar do resgate propriamente dito.
— Mal vejo a hora — Neil disse, com um tom perigoso na voz. A expressão
acalorada de Eddie falava por ele.
— Vamos receber mais detalhes quando chegarmos a St. George — Sydney
continuou. — Podemos pegar a estrada assim que todo mundo estiver pronto. É um
trajeto de umas seis horas e imagino que a gente chegará lá mais ou menos na hora em
que o ataque está programado para acontecer.
— Estou pronto pra ir — Neil disse.
— Eu também — concordei. — Só me dê dois minutos pra pegar minhas coisas.
Sydney veio comigo até o quarto de hóspedes de Maude e ficou observando enquanto enfiava minhas poucas roupas e meu laptop na sacola de lona que vinha
carregando de um lado para o outro naquela aventura.
— Rose me ligou — ela disse, fechando a porta. — Ela e Dimitri queriam saber se
poderiam ir a St. George e deixar sua mãe e Declan na casa do Clarence. Falei que sim.
Espero que não tenha problema.
Parei, sobressaltado por um momento, depois assenti devagar.
— É, acho que tudo bem. Os alquimistas vão parar de vigiar nossos pontos de
encontro agora que sabem para onde você está indo. E, na verdade, se ninguém estiver
procurando por Declan…
— Foi o que pensei também — Sydney concordou. — Mas deu pra ver que Rose
estava morrendo de curiosidade para saber o motivo de tanto sigilo em torno dele.
Coloquei a sacola no ombro e pus o braço livre em volta de Sidney, notando que
ela também estava com uma sacolinha no braço.
— Acho que precisamos contar pra eles quando isso acabar. E quando
resolvermos as coisas com Neil. São confiáveis e têm o direito de saber. Você sabe o que
isso significa pra eles.
— Sim. Além disso, seja lá o que decidirmos fazer para ajudar Declan e Neil…
Bom, acho que vamos precisar de ajuda. Eles são bons aliados. Você conseguiu fazer Neil
mudar de ideia?
— Não — respondi, exasperado. — Ele continua cheio de palavras bonitas,
dizendo que é o melhor para Declan.
— A gente vai conseguir convencê-lo — ela disse. — Quando tudo isso acabar e
Jill estiver de volta.
— Quando Jill estiver de volta — concordei. As comportas que seguravam todas as
emoções que sentia em relação a Jill estavam ameaçando explodir. — Meu Deus, não
acredito que estamos tão perto. Faz tanto tempo que estou preocupado com ela.
Sydney apertou minha mão.
— Eu sei, eu sei. E a gente está quase lá.
— Queria acabar com Alicia — admiti. — Por causa do que ela fez. Queria
pulverizar aquela mulher com o espírito.
— Você não fez isso, fez? — Sydney perguntou, arregalando os olhos.
Suspirei.
— Não. Queria ter feito, mas não. Me contive. Só usei o espírito necessário. E estou
mantendo o controle desde então.
O sorriso que Sydney abriu aqueceu meu coração.
— Estou muito orgulhosa de você, Adrian. Sei que não deve ser fácil.
— Não é — admiti. — Mas estou me esforçando. E acho que consigo… acho que
consigo me controlar. Não preciso dos remédios. Posso simplesmente controlar o uso
do espírito.
Seu sorriso vacilou, como se fosse discordar, mas então me surpreendeu dizendo:
— Vou apoiar e estar ao seu lado no que você decidir, para o resto das nossas
vidas. — Ela me entregou a sacola que carregava. — Trouxe um presente pra você. Quer
dizer, é meio que pra nós dois.
Abri e encontrei uma caneca do Tortas e Tal.
— Ah, cara, não acredito que você foi lá sem mim — brinquei.
— Ela é nossa — ela disse. — A primeira coisa para colocarmos na nossa casa nova juntos. Estou negociando com Stanton para comprar nossa liberdade. Quando tudo
isso acabar, vamos ter uma vida juntos, Adrian. Uma vida de verdade.
Meu amor por ela era gigantesco. Deixei as sacolas no chão e a tomei nos braços.
Aquela caneca boba ganhou de repente uma importância enorme e, ao encarar Sydney,
aquele rosto que tanto amava, pude imaginar o futuro que descreveu, um futuro juntos
em que poderíamos fazer qualquer coisa. Voltar para os remédios parecia um preço
pequeno a pagar por isso. Não precisava do espírito se tinha Sydney.
Eu a encostei contra a porta e dei um beijo nela, permitindo-me esquecer por um
momento de tudo que nos esperava fora daquele quarto. Naquele instante, só havia nós
dois e aquele momento perfeito juntos.
— Você me faz acreditar que tudo é possível — murmurei.
— Já falei antes: nós somos o centro — ela disse. — E o centro vai aguentar.
Dei outro beijo nela, mais intenso, e foi com grande relutância que finalmente nos
soltamos.
— Quero muito uma casa de verdade — eu disse, acariciando o cabelo que caía em
seu rosto —, mas, antes disso, a gente pode por favor ter uma lua de mel de verdade?
— Eu adoraria — ela murmurou, beijando-me mais uma vez. — Assim que
resgatarmos Jill, tudo vai mudar.
Eu a abracei forte.
— Então, pelo amor de Deus, vamos buscar Jill.
Nós quatro pegamos a estrada para St. George, virando a noite dirigindo para chegar
a tempo. Tentamos revezar no volante para que todos conseguissem descansar, mas era
difícil. Sinceramente, a essa altura achava que relógio biológico e “horas do dia” não
passavam de invenções alheias à minha vida. Estava feliz por ter Sydney ao meu lado
novamente, e ficamos contando um para o outro o que acontecera durante nosso tempo
separados. Ela não quis explicar que acordo estava tentando fazer com Stanton, mas falou
com confiança sobre o futuro que tanto queríamos.
Fomos rápidos, chegando ao centro de comando improvisado dos alquimistas e
guardiões pouco antes do nascer do sol. E, por mais que odiasse admitir, os alquimistas
se provaram úteis. Em menos de um dia, tinham encontrado um prédio comercial
disponível e o enchido de alquimistas e computadores. Tinham informações de câmeras e
satélites sobre o complexo dos guerreiros, além de batedores posicionados no local, nos
mantendo atualizados sobre a situação e as medidas de segurança dos guerreiros.
Um homem bruto chamado McLean estava no comando dos alquimistas. Ele e
Dimitri, que tinha chegado algumas horas antes, estavam trabalhando juntos na
organização do ataque, surpreendentemente bem. Todos nos prometeram que seria um
resgate relativamente simples. Nossas forças eram maiores do que as dos guerreiros. Se
nosso ataque inicial fosse forte e inesperado, não haveria motivo para fracassar. Eu e
Sydney trocamos olhares apreensivos, sabendo que as coisas dificilmente eram tão
simples quanto pareciam, mas tentamos manter o otimismo. Queríamos que fosse
simples. Precisávamos que fosse simples. Nos despedimos de Dimitri, Rose, Eddie e Neil
animados, que nos deixaram sem nada para fazer além de esperar as novidades.
Era estranho não ir junto. Tinha passado tanto tempo me preocupando com Jill
sem poder fazer nada, preso na Corte. Depois, quando conseguimos a pista sobre Alicia,
ficara para trás no início para acobertar Sydney. Agora que finalmente sabíamos onde Jill
estava, estava ficando para trás de novo. Era enlouquecedor. Desde que trouxera Jill de volta da tentativa de assassinato, tinha a impressão de que sua vida dependia de mim. Por
mais que soubesse que um complexo cheio de fanáticos armados seria mais bem
invadido por guardiões e alquimistas treinados, não conseguia deixar de lado a sensação
de que devia ir junto.
— Vai dar tudo certo — Sydney disse com doçura, apoiando a mão no meu braço.
— Também estou me sentindo inútil, mas eles são especialistas. E, depois que a tirarem
de lá, vamos ser uns dos primeiros a vê-la.
— Eu sei — respondi. Coloquei o braço em volta dela. — Paciência não é uma das
minhas melhores virtudes.
Enquanto falava, o olhar de Sydney se fixou em algo atrás de mim e me virei para
observar. Era o pai dela e Zoe entrando no centro de comando. Também ficaram parados
por um momento, e então, Zoe deu alguns passos à frente, abrindo um sorriso, até um
grito súbito do seu pai a fazer parar.
— Zoe! — ele vociferou.
— Minha própria irmã não pode me ver, pai? — Sydney perguntou. — Está com
medo que eu corrompa Zoe?
Ele ficou vermelho.
— Fiquei sabendo que fez algum tipo de acordo com Stanton. Não teria acontecido
se eu estivesse no comando.
— Como você está, Zoe? — Sydney perguntou, voltando a atenção para a Sage mais
nova. — Tudo bem?
Zoe encarou o pai insegura e depois assentiu de leve.
— Estou. E você?
— Vem comigo — ordenou o pai delas. — Vamos ver como está o progresso da
operação.
Zoe lançou um último olhar para Sydney e depois, relutante, seguiu Jared Sage para
onde os alquimistas estavam monitorando a equipe que invadia o complexo dos
guerreiros. Sydney se separou de mim e foi atrás deles.
— Também quero atualizações — ela disse. Mas, quando chegou ao grupo
amontoado em volta das pessoas responsáveis pela comunicação, Sydney esperou até o pai
se distrair e então tocou a manga da blusa de Zoe e a puxou de leve na nossa direção. —
Não tive tempo de agradecer por não me denunciar lá nos Ozark — Sydney disse
baixinho.
Zoe balançou a cabeça mas manteve o olhar preocupado fixo no pai.
— Era o mínimo que podia fazer. Sydney, se tivesse alguma ideia do que você
passaria lá, nunca a teria denunciado. Achei que iriam te ajudar. Juro. — Lágrimas
surgiram em seus olhos.
— Como você ficou sabendo do que aconteceu? — perguntei. Pelo que sabia, os
detalhes do que os detentos sofriam na reeducação eram confidenciais.
Zoe não respondeu de imediato e, pela forma constrangida como me encarou, ficou
claro que ainda não aceitava muito bem a ideia de ter um cunhado vampiro.
— Carly me contou — ela disse por fim. — Ficou sabendo por um cara que
ajudou você. Acho que estão namorando agora.
Eu e Sydney trocamos olhares surpresos.
— Marcus? — perguntamos em uníssono.
— Sim — Zoe respondeu. — Acho que é esse o nome dele.
— Que espertinho — murmurei. Quando Marcus e Carly se conheceram, ele se
mostrou claramente interessado pela irmã mais velha de Sydney, mas não fazia ideia de
que tinha ido atrás dela.
— Que bom que está conversando com Carly — Sydney disse. — Tem falado com
a mamãe também?
— Não — Zoe respondeu. — Queria, mas o papai não deixa. E ele tomou o
cuidado de deixar os termos do divórcio bem definitivos.
Eu e Sydney notamos a tristeza na voz da irmã.
— Você quer sair? — Sydney perguntou, ansiosa. — Quer ficar livre deles?
— Ainda não — respondeu Zoe. Ao ver o olhar cético de Sydney, ela continuou:
— Não, estou falando sério. Não é por medo. Ainda acredito na causa, mas nem sempre
estou contente com os métodos. Isso não significa que quero desistir. Quero continuar
aprendendo e trabalhando com eles… e depois, quem sabe? — Seu rosto ficou mais
triste. — Mas seria bom ver a mamãe de novo.
— Zoe! — Jared vociferou. Ele tinha acabado de notar que ela estava conversando
com a gente. — Venha aqui e…
— Estou recebendo um relatório — exclamou uma alquimista sentada ao lado de
um guardião com quem dividia a função de monitoramento. Os dois estavam usando
fones, com laptops diante de si, e ele assentiu. — As duas equipes entraram, mas parece
que existem minas no terreno.
Sydney apertou minha mão e um silêncio terrível caiu à nossa volta enquanto
esperávamos mais informações. Lembrei de Alicia zombando que nunca conseguiríamos
chegar até Jill.
— Conseguiram passar pelas minas — disse o guardião muitos minutos depois.
Todos respiraram aliviados, mas logo voltamos a ficar tensos. — Estão enfrentando
combatentes inimigos agora.
Mesmo com o som abafado pelos fones, dava para ouvir o crepitar das mensagens
urgentes daqueles que invadiam o complexo, além do que parecia o som de disparos.
Sydney voltou a encostar em mim, com a mão pousada no colar com a cruz de madeira
que eu havia pintado para ela tempos antes. Os minutos pareciam horas e eu não parava
de pensar: Deveria estar lá, deveria estar lá.
Por quê?, escarneceu tia Tatiana. De que adiantaria você sem o espírito? Sua esposa não
deixaria você usar, lembra?
Um sorriso apareceu de repente no rosto do guardião enquanto ele ouvia a última
mensagem.
— Eles entraram. Os andares superiores do complexo foram dominados. Todos
os combatentes foram detidos. — Ele parou enquanto recebiam mais informações. —
Nenhuma morte do nosso lado. — Em um surpreendente momento de solidariedade, ele
e a alquimista bateram as mãos em comemoração. Mas não conseguia compartilhar da
mesma alegria, não por enquanto.
— Estão com Jill? — perguntei. — Já estão com a princesa?
O guardião balançou a cabeça.
— Estão indo atrás dela agora. Ela está sendo mantida no porão. Fizeram uma
medição de calor e parece que só tem uma pessoa lá. Tudo aponta que é uma Moroi da
estatura dela.
Puxei Sydney para perto num abraço esmagador, afundando o rosto no cabelo dela.
— Acabou. Finalmente acabou. — Não chorava fácil, mas senti as lágrimas
surgindo nos olhos ao pensar que logo teria Jill de novo com a gente.
— Eu… Sim. O que foi?
Virei para a alquimista com fones de ouvido e me dei conta que ela estava falando
com uma pessoa do outro lado, não com a gente. Sua testa se franziu e ela ergueu os
olhos para nós.
— Sra. Ivashkov, querem falar com a senhora.
Pelo canto do olho, notei a careta que o pai de Sydney fez ao ouvir o sobrenome.
— Comigo? — Sydney perguntou, pegando os fones de ouvido. Ela os colocou e
sentou na cadeira, entrando numa conversa da qual só conseguíamos ouvir metade. —
Como assim? Entendi… Tem alguma marcação? Algum objeto? Certo… Não, você pode
estar certo. Só espere… Estou indo. Sim.
Ela levantou e tirou os fones.
— O que está acontecendo? — perguntei.
— Era Eddie — ela respondeu. — Estava com o grupo prestes a invadir o porão,
mas aí, no último minuto, fez todo mundo parar.
— Por quê? — Zoe perguntou.
Sydney me encarou.
— Ele disse que sentiu o cheiro da casa da sra. Terwilliger.
Por um minuto, pensei que estava sugerindo que Jackie estava lá, e só então entendi
a conclusão a que ele chegara.
— Você acha que tem algum tipo de magia lá embaixo?
— Foi Alicia que capturou Jill para eles — Sydney apontou. — É possível que
tenha deixado alguma armadilha montada. Isso também explicaria por que não tem
nenhum guerreiro protegendo o andar.
— Provavelmente porque todos subiram correndo para lutar no primeiro ataque
— disse o pai dela.
As palavras de Alicia voltaram à minha mente: “Mas nunca vão chegar até ela! Nunca
vão conseguir chegar até onde ela está!”. Uma sensação de pavor revirou meu estômago.
— Não, tem alguma coisa lá.
— Suspenderam a ação até eu chegar para investigar — Sydney disse. Ela me
encarou. — Você vem comigo?
Não precisava nem ter perguntado, e nós dois sabíamos disso. Um guardião nos
levou até o local, que ficava nos arredores da cidade. Não era nenhuma surpresa, já que
fanáticos costumavam construir fortalezas longe de áreas civilizadas cheias de pessoas que
poderiam chamar a polícia. A paisagem desértica dominava, mas de um jeito diferente de
Palm Springs. As rochas e a terra eram de um vermelho que ficava impressionante sob o
poente, e havia pequenos trechos de vegetação rasteira. O complexo em si era um vasto
prédio térreo cercado por arame farpado. Os alquimistas e guardiões patrulhavam a área
de ponta a ponta, e pude ver onde haviam cercado e prendido os guerreiros inimigos.
Dimitri nos recebeu quando saímos do carro.
— Por aqui — ele disse, apontando adiante. — Acreditamos que ainda existam
minas na área. Vamos levar vocês por um caminho seguro.
Nós o seguimos pelo terreno rochoso, passando pelos prisioneiros que nos
encaravam. O prédio em si era tão austero quanto um quartel militar e, pelo que pude
observar, não tinha servido a nenhum propósito além de ponto de encontro para discutir planos malucos contra vampiros e manter os prisioneiros. Senti calafrios só de encará-lo.
Uma escada no centro do prédio levava para um andar subterrâneo, onde Eddie,
Neil e Rose nos esperavam. Eu e Sydney descemos a escada até um longo corredor de
cimento que se estendia na escuridão. Dava para ver algumas portas, mas não fazia ideia
do que havia atrás delas. Ao meu lado, Sydney franziu a testa.
— Lembra uma versão primitiva da reeducação — ela murmurou, sentindo
calafrios.
Ao lembrar de quando ajudei a resgatá-la, pude entender o que queria dizer. O
centro alquimista também tinha vastos corredores com portas misteriosas, mas lá o clima
era quase hospitalar: um lugar todo esterilizado, com uma forte iluminação fluorescente.
O lugar onde estávamos, por sua vez, parecia mais uma masmorra medieval no meio do
deserto de Utah. Passei mal só de pensar que Jill estava lá.
— Achamos que Jill está logo ali — Rose disse. — Foi o que o equipamento
alquimista detectou. Quero entrar e buscá-la, mas Eddie… — Ficou claro que ela não
sentia os mesmos medos que ele.
Ele pareceu um pouco envergonhado, mas defendeu sua opinião.
— Simplesmente não consigo deixar de lado a sensação de que tem alguma coisa
errada aqui. Por que ninguém está vigiando a prisioneira mais valiosa deles? E estão
sentindo esse cheiro?
Sydney assentiu e precisei concordar.
— Cheira um pouco como a casa de Jackie aqui — comentei.
— Alguém acendeu incenso aqui dentro — Sydney disse. — Mas não é algo que a
sra. Terwilliger usaria. Vetiver. Lótus negra. — Ela franziu a testa e observou ao redor.
— Lá tem algumas cinzas. Foi queimado ali.
Fiz menção de investigar, mas ela me deteve.
— Espera — ela disse. Ergueu a mão e proferiu palavras numa língua que eu
desconhecia. Depois de alguns segundos, símbolos luminosos surgiram no teto acima de
onde as cinzas estavam. Sydney os examinou com atenção até eles se apagarem e soltou
um suspiro conturbado. — Droga.
Quase nunca a ouvia praguejar, e não achava que isso era um bom sinal.
— Que foi? — perguntei.
— Tem um demônio aqui — ela respondeu num tom casual. — Parece que Alicia
invocou um para ficar de guarda.
— Tecnicamente Pulinho é um demônio — comentei.
O rosto dela estava apreensivo.
— Não acho que seja desse tipo. É um senicus. — Ao ver nossos olhares pasmos,
continuou: — Já ouviram falar da hidra da mitologia grega? É tipo isso. Mais ou menos.
Serpentino, muitas cabeças. E as cabeças cospem ácido fervente.
Estudara mitologia grega no ensino médio e até tinha prestado atenção nessa aula.
— As cabeças crescem de volta também? — perguntei.
— Não se forem destruídas com fogo — ela disse.
— A gente precisa de um lança-chamas? — Neil perguntou.
Sydney ergueu a mão e uma bola de fogo surgiu.
— Não.
Os olhos de Rose se arregalaram, fascinados.
— Nossa. Espadas machucam essa criatura?
— Não — Sydney respondeu. — Ela tem um couro mágico que serve de proteção.
Sou a única realmente capaz de destruir essa coisa. O que vocês precisam fazer é tirar Jill
daqui enquanto distraio o demônio. Alguém precisa passar por ele enquanto estiver
ocupado comigo. Como fogo é o único jeito de destruir a criatura, não quero Jill presa
aqui se tudo desmoronar.
Mais uma vez me senti inútil. Sydney podia ser uma profissional com bolas de fogo,
mas isso não significava que queria que ela enfrentasse o demônio-hidra sozinha.
— O que faço?
— Nada — ela respondeu. — Sai daqui.
Ela acha você um incompetente!, tia Tatiana exclamou. Acha que você vai atrapalhar.
— Sydney, me deixa ajudar — insisti.
Sydney sequer estava olhando para mim enquanto examinava o corredor,
provavelmente medindo o alcance das bolas de fogo e quão inflamável o lugar era.
— Adrian, não tem nada que você possa fazer aqui. Fique seguro, Jill pode precisar
da sua ajuda quando sair.
Ouviu isso?, tia Tatiana perguntou. Ela acha que você não é capaz de nada!
Comecei a perder a calma e quase concordei com tia Tatiana, até parar um pouco
para repetir mentalmente o que Sydney havia dito. Não, ela tem razão, disse à fantasma na
minha cabeça. Se Jill estiver ferida, preciso poupar meu poder. Não podemos repetir o que aconteceu
com Olive.
Tia Tatiana discordou: Você não precisa poupar nada! Você consegue fazer tudo!
Tentando calar a voz interna, dei um beijo em Sydney e um abraço rápido.
— Toma cuidado — murmurei. — E se precisar de mim, vou estar por perto.
— Não perto demais — ela avisou. — Essa coisa cospe ácido. Não quero que se
machuque.
— Entendido — respondi, antes que tia Tatiana pudesse reclamar que Sydney
estava sendo superprotetora.
Escolhi um lugar na escadaria que me dava uma rápida rota de fuga se precisasse,
mas também uma boa visão de onde tudo aconteceria. Não tinha discutido com Sydney,
mas a saúde de Jill não era a única coisa com que estava preocupado. Além de Sydney, os
dampiros estavam se arriscando. Queria estar por perto caso algum deles se machucasse.
Depois de uma discussão acalorada, os três definiram um plano. Eddie e Neil esperariam
comigo como reforço enquanto Rose entraria sozinha para resgatar Jill. Os dois também
queriam ir, mas ela argumentou que era menor e mais rápida. Também alegou que o
lugar era apertado demais para que todos, contando com Jill, passassem pelo demônio na
volta. Ficou difícil desbancar os argumentos dela, e Sydney concordou que, com bolas de
fogo voando, seria melhor ter menos gente com quem se preocupar.
Assim, relutantes, Eddie e Neil vieram esperar comigo, enquanto Rose se
posicionou logo atrás de Sydney.
— Hora de invocar a criatura — Sydney disse, nervosa. — Ela apareceria por si só
se eu atravessasse esse caminho, mas prefiro trazê-la nos meus próprios termos. — Ela
ergueu as mãos e declamou um feitiço que, novamente, fez as marcas no teto brilharem.
Dessa vez, porém, o demônio se materializou na frente delas.
Então entendi por que uma hidra era a comparação mais próxima que Sydney tinha
achado. Da cintura para baixo, o demônio caminhava em duas pernas como nós, apesar
da pele escamosa e das garras nos pés. Da cintura para cima, tinha vários tentáculos sinuosos se estendendo do torso, além de cinco pescoços com cabeças de serpente.
Todas chiavam e encaravam Sydney. O medo se agitou na minha barriga ao ver o
demônio, e quase senti falta do tempo em que os únicos monstros que conhecia eram os
Strigoi. Apesar do terror que aquela coisa inspirava, ainda tinha uma vontade arrasadora
de proteger Sydney. Não importava se minha vida corria perigo. Me sacrificaria de bom
grado por ela.
Vai!, tia Tatiana exclamou. Atira alguma coisa nele!
— Não tem nada para atirar — eu disse. — E Sydney consegue sozinha.
— Hum? — Eddie perguntou.
Tinha falado em voz alta sem querer de novo, e balancei a cabeça.
— Nada.
Sydney se manteve firme, encarando o demônio-hidra diante dela como se fizesse
aquilo todo dia, e não como se tivesse entrado sem querer no covil dele. Uma bola de
fogo surgiu na ponta dos dedos de Sydney, que a lançou na mesma hora numa das
cabeças de serpente. Sua mira foi boa, mas a criatura foi mais rápida. Num piscar de
olhos, virou a cabeça e desviou. Uma das outras cabeças cuspiu uma gosma verde
brilhante que caiu no piso de concreto e começou a corroer a superfície. Não queria nem
pensar no que aquilo faria com a pele.
Sydney lançou outra e não acertou de novo, mas seu olhar permaneceu firme.
— Uma hora vou acertar — eu a ouvi dizer para Rose. — E é quando você deve
agir.
Rose estava preparada ao lado dela, pronta para correr. As duas faziam uma dupla
impressionante, uma morena e a outra loira, ambas completamente destemidas diante do
perigo. Eram lindas e mortais.
A bola de fogo seguinte acertou uma das cabeças. A criatura recuou de dor e as
outras cabeças sobreviventes gritaram. Rose aproveitou o momento para passar correndo
pela criatura e chegar ao lado oposto do corredor de concreto. Mesmo assim, o demônio
percebeu e fez menção de virar, mas outra bola de fogo certeira chamou sua atenção de
volta para Sydney. Alguns de seus tentáculos eram curtos e grossos, mas outros eram
mais longos e chegavam perigosamente perto dela, obrigando Sydney a desviar tanto do
ácido como dos tentáculos. Fazia isso com mais habilidade do que eu jamais conseguiria,
fugindo dos ataques com uma técnica que deixaria Wolfe orgulhoso.
— Perto demais — Neil murmurou, depois que Sydney escapou por pouco de um
ataque de ácido.
— Ela é boa — eu disse. Na mesma hora, outra bola de fogo atingiu uma das
cabeças de cobra, deixando uma marca chamuscada.
— Por que Rose está demorando tanto? — Eddie perguntou.
Não tinha uma resposta para isso. Ela havia desaparecido na escuridão e nenhum de
nós sabia o que havia lá. Talvez tivesse que procurar atrás de vinte portas. Ou talvez
estivessem trancadas. Ou Jill podia estar acorrentada. Ninguém sabia ao certo, e a dúvida
nos consumia.
Sydney tinha acabado de aniquilar uma terceira cabeça de cobra quando ouvi Eddie
respirar fundo. Atrás da criatura pude distinguir Rose com uma silhueta apoiada nela. O
rosto da outra pessoa estava enfiado no ombro de Rose, mas era impossível confundir os
longos cachos castanho-claros. Meu coração subiu pela garganta.
Jill.
Ficou claro que Rose estava esperando a hora certa para voltar, e uma mudança na
postura de Sydney indicou que ela já tinha avistado as duas atrás do demônio. Sydney
lançou uma bola de fogo sem mirar numa cabeça específica, mas o lance obrigou a
criatura a recuar para o outro lado do corredor. Rose reconheceu a oportunidade e
avançou correndo, quase arrastando Jill pelo caminho. Um conjunto de tentáculos
encostou na perna de Rose e perdi o fôlego, mas logo uma rápida e bem lançada bola de
fogo atingiu a quarta cabeça. A criatura soltou a perna de Rose e voltou a fúria contra
Sydney, enquanto a guardiã levava Jill correndo até a escada.
Numa fração de segundo, Eddie e Neil chegaram ao lado delas, ajudando Rose a
trazer Jill para cima. Meu estômago se contorceu ao ver Jill, e tive uma terrível sensação
de déjà-vu, semelhante a quando havíamos finalmente encontrado Sydney nas profundezas
do centro de reeducação. O estado de Jill era parecido: tinha perdido bastante peso e sua
pele estava pálida, mesmo para os padrões Moroi. Usava pijamas sujos e surrados, sem
dúvida a roupa que vestia quando foi sequestrada, e parecia que não a deixaram tomar
banho ali. Suas pupilas estavam ligeiramente dilatadas, o que confirmava que tinham lhe
dado algum tipo de droga que impedia que eu chegasse até ela através dos sonhos.
— Você está bem? — perguntei. Evoquei o espírito dentro de mim, preparado para
fazer uma cura.
— N… não, não faz isso — ela avisou. Mesmo drogada, o laço ainda devia estar
funcionando. Ou isso ou ela simplesmente me conhecia bem o bastante para adivinhar o
que eu faria. Ela levou alguns segundos para formar o resto das palavras. — Eu… só
estou fraca. Com fome. Me deram sangue de animal.
Meu estômago se revirou. Os Moroi podiam sobreviver à base de sangue animal,
mas “sobreviver” era um eufemismo. Continuávamos vivos, mas perdíamos muita força e
energia. Apareciam histórias de vez em quando sobre famílias Moroi que ficavam presas
sem acesso a um fornecedor e precisavam se alimentar de sangue de animais. Saíam fracos
e debilitados, gerando manchetes sensacionalistas nos jornais Moroi. Mal conseguia
imaginar quão fraca Jill devia estar depois de um mês assim. Isso explicava por que ela
mal conseguia ficar de pé.
No entanto, tinha o instinto de ajudá-la de qualquer jeito, de dar uma injeção de
espírito nela.
— Não — ela disse, categórica, prevendo o que eu queria fazer de novo. — Só me
levem para um fornecedor. E mandem alguém para os fundos do terreno. Tem um
barracão lá com outra prisão subterrânea.
— Vou levar Jill para um fornecedor — disse Eddie, levando-a para cima. Rose
ajudou, apoiando o outro lado de Jill.
— Vou procurar os outros prisioneiros Moroi — Neil disse, saindo na frente
deles. Ele parou e olhou para Sydney. — A menos que precisem de mim?
Fiz que não.
— Tiro Sydney daqui. Vá ajudar os outros.
Os dampiros e Jill foram embora, me deixando sozinho para cuidar de Sydney.
Aquele demônio-cobra só tinha uma cabeça agora, mas notei que havia fumaça no
corredor. Uma das bolas de fogo dela devia ter encontrado uma porta de madeira para
incendiar.
— A gente precisa sair daqui — gritei para ela. — Esse incêndio pode se espalhar.
Jill está a salvo.
— Não vou deixar esse monstro à solta! — Sydney gritou. Uma bola de fogo bem
lançada quase acertou a última cabeça, mas a criatura desviou no último segundo. O
demônio urrou de fúria e um de seus tentáculos avançou mais rápido do que ela
conseguiu prever, derrubando-a no chão. Com a mesma velocidade, a criatura correu até
ela, com a última cabeça se preparando triunfante para cobrir Sydney de ácido.
Faz alguma coisa! Faz alguma coisa!, tia Tatiana gritou para mim.
Mas não havia nada para atirar telecineticamente, nenhuma planta para invocar,
como Sonya poderia ter feito. Aquele era o mundo real, não um sonho. O espírito não
era uma magia de combate, mas sabia que precisava agir naquela fração de segundo.
Sydney — meu coração, meu amor, minha esposa — estava perto da morte. Jogaria meu
corpo na frente dela de bom grado, mas não havia tempo para isso. Tinha apenas um
milésimo de segundo para decidir, então usei minha última cartada de espírito.
— Pare! — ordenei.
O espírito ardeu pelo meu corpo e enviei uma onda de compulsão ao demônio,
tentando dominar sua vontade. Nunca tinha feito nada assim antes. Nem sabia se era
possível. No entanto, a criatura chegou a parar, o que me fez pensar que ela era
suficientemente racional para que pudesse ser controlada. Ênfase em “pudesse”. Porque,
por mais que tivesse controlado a criatura por um momento, logo perdi o controle, e ela
voltou a rosnar, pronta para atacar Sydney. Quanto maior a força de vontade, mais difícil
era controlar alguém por compulsão. Os demônios deviam estar numa categoria
completamente diferente, porque já estava com o espírito amplificado e mal surtia efeito.
Mais! Mais!, disse tia Tatiana.
Invoquei quantidades maiores de espírito, usando toda a minha energia, toda a
minha força de vontade. Era mais do que tinha usado no sonho com Charlotte e Olive,
quase tanto quanto usara para trazer Jill de volta à vida. O espírito me preencheu por
completo, tornando-me maior do que nunca, quase um deus. Voltei esse poder contra o
demônio, exercendo meu controle enquanto proferia os comandos:
— Solta Sydney! Vai pra trás!
O demônio obedeceu.
Seus tentáculos soltaram Sydney, que se arrastou para longe e levantou. O fogo
surgiu em suas mãos e, com o demônio sob meu comando, virou um alvo fácil para ela.
Quando destruiu a última cabeça, o resto do corpo se desintegrou numa fina nuvem de
poeira preta. No entanto, o espírito continuou ardendo dentro de mim, me fazendo sentir
radiante e invencível. Sydney correu até mim e chacoalhou meu braço.
— Adrian, chega — ela disse. — Acabou. Você conseguiu. Libera a magia!
Ninguém nunca possuiu um poder como esse, tia Tatiana disse. Consegue sentir? Não se sente
vivo? Por que iria querer abandonar essa sensação?
Ela estava certa. Com aquele poder, poderia fazer coisas grandiosas. Strigoi,
guerreiros e até mesmo demônios: nenhum inimigo teria chance. Não precisávamos de
estacas de prata ou da vacina de Sonya. Eu era capaz de tudo. Poderia salvar nosso povo
sozinho.
— Adrian! Adrian!
Por um momento, não sabia de quem era aquela voz. Estava perdido demais em
meu poder, um poder que me consumia. Um rosto se moveu diante da minha visão
enevoada, uma humana loira e de olhos castanhos. Mas não a reconheci.
— Adrian! — ela gritou de novo. — Chega. Por favor. Libera a magia… por mim.
Por mim, ela tinha dito.
Mas quem era ela? Então finalmente o êxtase do espírito diminuiu o bastante para
que a reconhecesse. Sydney. Sydney, minha esposa. Era ela que me encarava,
completamente aterrorizada.
Ignore a menina, disse tia Tatiana. Esta é a magia que você nasceu para praticar!
Sydney apertou minha mão.
— Adrian, por favor. Libera a magia.
Conseguia sentir o espírito obscurecer minha mente de novo, apagando Sydney,
destruindo o meu raciocínio como tinha feito com Charlotte. Queria soltar, mas era
difícil quando tinha uma sensação tão gloriosa e inebriante.
Você é um deus, tia Tatiana falou. Estou muito orgulhosa de você.
— Adrian — Sydney disse. — Eu te amo.
Aquelas palavras e aquela voz tiveram mais poder sobre mim do que fantasma
nenhum poderia ter. E assim, pouco antes de o espírito apagar Sydney por completo,
soltei a magia.

Bloodlines - O Circulo RubiOnde histórias criam vida. Descubra agora