Mais uma vez a chuva caía naquela noite do lado de fora de meu apartamento em São Paulo, a avenida estava encharcada e iluminada pelas luzes da rua, o único som audível é o da água chegando ao chão misturado com os carros que nunca param de circular na cidade. Morar no Centro de São Paulo tem essa desvantagem, não importa o quão cansado você esteja ou o quão tarde da noite seja sempre tem alguém na rua. Às vezes eu me pergunto o que essas pessoas estão fazendo tarde da noite na rua? Muitas vezes no meio da semana, mas aí me recordo que já fui uma pessoa com motivos para estar até tarde por aí nas ruas da metrópole.
Eu estou na sala, em minha mesa, escrevendo, ou pelo menos tentando escrever algo novo às três da manhã, alguns momentos da vida de um escritor são bem vazios de inspiração. E eu estou em um desses momentos, daqueles em que não se consegue escrever nada, que o texto simplesmente é incapaz de se desenvolver, como em uma prisão. Realmente eu me sentia em uma prisão. Sobre a mesa, meu notebook, meu relógio despertador, meu celular e minha caneca de café azul, cortesia de uma viagem que fiz pela costa brasileira.
Passo vários minutos encarando a tela do computador sem saber o que escrever, minha cabeça não consegue manter a concentração, me sinto perdido. Não quero pensar nisso, preciso escrever. Dou um belo gole no café morno ao meu lado tentando ativar minha criatividade, meus pensamentos estão embaralhados, me sinto confuso. Na minha cabeça o único pensamento que me ronda é o de como é irritante ver este cursor do editor de textos piscando quando não se consegue desenvolver nada.
Olho para o celular, são 3h18 da manhã, decido ouvir música, danem-se os vizinhos. Abro o Spotify, decido escutar algo de minha biblioteca pessoal, mas não sei o que ouvir. Não quero ouvir nada que me lembre dos ocorridos dos últimos dias. Não quero nada que me lembre dela. Não sei o que ouvir. Pressiono o botão "aleatório", uma música começa a tocar, "On my mind" de Ellie Goulding, droga, essa me faz lembrar dela.
Penso em trocar a música, "It's a little blurry how the whole thing started", o verso me atinge como um soco no coração. Decido continuar ouvindo enquanto tento escrever. São 3h20 da manhã, meu corpo está cansado, e agora estou lembrando dos meus momentos com ela. "You don't mess with love, you mess with the truth", definitivamente ela brincou com minha verdade.
São 3h21 da madrugada, não consigo escrever e não paro de pensar nela. A música não colabora, meu corpo está cansado, posso apagar a qualquer momento. "Why I got on my mind?", ora Ellie, eu me faço essa pergunta todos os dias. Estou muito cansado, minhas pálpebras pesam, vou adormecer a qualquer momento, estou exausto, não consigo escrever, não consigo esquecê-la.
Me lembro de tudo o que aconteceu, de como foi saber que ela era casada, que tinha uma família, me lembro de nossos encontros secretos, "So I poured down, so I poured down", eu também havia me derramado, até demais para algo que eu devia ter imaginado que seria casual, mas não era. Houve sentimento, de ambas as partes, eu tenho certeza disso. Eu estou exausto, meus olhos pesam.
Me debruço sobre o teclado do notebook ainda ouvindo a voz de Ellie cantando "Why you got on my mind", sinto tudo ao meu redor apagar.
Ouço o som da campainha, acordo assustado, são 3h45 da manhã, está tocando alguma música no meu celular que eu não consigo identificar. A campainha continua a tocar. Peço que aguarde. Caminho até a porta, são 3h47 da manhã, não consegui escrever nada, meu café esfriou, eu encaro a porta, quem viria ao meu apartamento às 3h47 da manhã?
Era uma pergunta aparentemente óbvia, se isso se tratasse de um dos meus contos, mas não estamos falando de um dos meus contos, ou estamos? A campainha toca mais uma vez, eu coloco a mão sobre a chave que já está na fechadura, ela está sempre lá.
Quando abro a porta tenho a sensação de que estou em um dos meus contos. Lá estava ela, parada na minha frente, encharcada por conta da chuva que ainda desmoronava lá fora. Eu a encaro, seus belos olhos castanhos ainda são os mesmos, seu cabelo preto como a noite ainda é o mesmo, sua pele branca. Nada mudou.
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Naquela Noite Chuvosa
Short StoryUm escritor com problemas de bloqueio criativo recebe uma visita inesperada em uma madrugada chuvosa. O que pode acontecer quando aquela pessoa aparece na porta no meio de uma tempestade?