Eu devo ter colado chiclete na cruz. Juro. Depois de uma tarde maravilhosa com meu namorado maravilhoso, dou de cara com quem à minha porta? Daniela. E, pela cara, não estava para brincadeira. Ela simplesmente ignorou Carlos Eduardo e voou para cima de mim.
─ Você pode me explicar isso daqui? – Daniela segurava um e-mail. Nem precisava lê-lo para saber do que se tratava. Tinha a logomarca da emissora. Fui aceita no papel de coadjuvante.
─ Eu havia lhe informado do meu interesse. – Abri a porta do apartamento e puxei Carlos Eduardo pela mão, tentando manter a calma. Ela entrou logo atrás.
─ Você acha que meu trabalho é brincadeira, menina? – Alteou o tom de voz. – Sabe o quanto eu corri atrás para conseguir esse papel? Quantas ligações? Quantos favores?
─ Eu pago a você muito bem para isso! Não tente me convencer que é um favor. – Mantive a firmeza.
─ Ingrata! Faço por você o que não faria nem por uma sobrinha e você me recompensa assim... Nem sequer me avisou. Agiu pelas minhas costas como uma cobra.
─ Daniela, você simplesmente não ouvia. – Tentei não responder aos insultos no mesmo tom. Conhecia Daniela desde que eu era criança. Foi minha primeira agente séria. Ficou com o lugar que fora de minha mãe. – Eu quero muito esse papel. Como você não tomava a iniciativa, resolvi agir por conta própria.
─ Tolice! O papel principal te daria muito mais dinheiro, muito mais oportunidades...
─ Dinheiro nem sempre é o mais importante. – Carlos Eduardo se meteu. Dava para ver que ele não estava gostando nada da maneira como ela falava comigo.
─ Para você, Riquinho. – Disse riquinho quase como uma ofensa. – Para muitos de nós, é só o que importa. Aliás, o que é que você entende das coisas? Por que está se metendo nessa conversa?
─ Ele é meu namorado. – Respondi. Daniela olhou para mim sem entender. Depois, Carlos Eduardo veio me abraçar e ela me olhou com desprezo. Deu uma gargalhada.
─ Não acredito que você está sendo tão burra assim, Bruna. Ainda não aprendeu nada? – Daniela me olhava de cima abaixo indignada. – Você ainda não percebeu que eles só vão te usar? Se aproveitar do seu corpo bonito e da sua imagem, depois jogar fora. – As palavras dela doíam. Quantas vezes não conversáramos sobre meus problemas amorosos. – Vocês podem até fuder gostoso em cada canto desse apartamento, - ela apontava para as paredes – mas logo você vai estar sozinha novamente. E aí sobraremos somente nós duas... E eu com todos os seus problemas para resolver.
─ Não mais. – Eu estava acostumada a discutir com Daniela, mas Kadu não. – Você está demitida, Daniela.
Pensei que ela fosse engoli-lo vivo. Mas foi pega de surpresa e titubeou. Kadu continuou a falar com uma autoridade impressionante
─ A empresa de advocacia que trabalha para a minha família entrará em contato com você na segunda-feira para resolver qualquer trâmite.
─ Você não tem autoridade para isso, moleque! – Recuperou-se Daniela.
─ Brunélida, minha querida, - ele segurou meu rosto em suas mãos me fazendo encará-lo – você é uma atriz muito talentosa que sempre lutou pelo seu lugar. E que agora está buscando novos desafios. Está tentando se aprimorar. Eu te apoio e te admiro por isso. – Uma lágrima escorreu sem que eu pudesse controlar. Havia carinho sincero na sua atitude, eu não estava mais acostumada a isso. Além do mais, eu estava tão cansada de brigar. De precisar lutar para conseguir tomar cada decisão. Pelo menos uma vez, foi bom sentir que havia alguém do meu lado. – Sei que você tem uma dívida de agradecimento com a Daniela por tudo que ela fez. Principalmente por ter acreditado em você, no seu talento, quando ninguém estava disposto a assumir esse risco. – Sua voz era tranquila, me acalmava. – Porém, mais do que eu, você sabe o quanto o passado pode ser uma prisão. – As palavras dele começavam a fazer sentido – Você quer um futuro diferente, mas a Daniela insiste em falar somente em números e lucro, além de expor seu corpo em demasia ao invés do seu talento. – Limpou minha lágrima com o polegar. – Não pense que estou me intrometendo na sua vida, nem dando uma de maluco ciumento. Essa é uma atitude de carinho. Uma prova do quanto eu gosto de você. – Ainda consegui sentir uma pontadinha de dor pelo fato de ele não usar a palavra amor. – Chega de propagandas de biquíni e de fotos da sua intimidade, minha linda. Isso não te faz bem. Isso é degradante. E você merece bem mais.– Terminou sua fala com um selinho nos meus lábios.
─ Você vai simplesmente se esquecer de tudo que vivemos por conta do palavreado desse pixote, Bruna?
Mais uma vez, eu estava fragilizada. A vida me dava cada rasteira que era difícil manter o rebolado. Carlos Eduardo estava certo. Lá no fundo, eu sabia que não dava mais para viver exposta daquele jeito. Principalmente depois de nós dois. Eu queria proteger o que havia entre a gente, não estampar em capas de revista. Era muito íntimo. Era muito especial.
Por outro lado, Daniela foi meu trampolim. Ela me ajudou na transição de criança para mulher, fase em que os trabalhos televisivos são difíceis e boa parte dos rostinhos infantis some da mídia. Ela esteve em cada crise. Talvez nem sempre me apoiando, mas pelo menos me incentivando a seguir em frente. E Deus sabe o quanto era difícil tomar a decisão de prosseguir.
Então, eu tinha de escolher, lealdade ao passado ou confiança no futuro. Bastava olhar para frente para perceber qual das respostas me agradava mais. Daniela me encarava com ódio, indignada pela minha desobediência. Kadu me olhava tranquilamente, encostara-se no balcão da minha cozinha americana, tinha um sorriso de apoio em seus lábios enquanto esperava a minha resposta.
Se o futuro se parecia com o Kadu, tranquilo e confiante, ele se mostrava muito mais promissor. Retribuí o sorriso. Pela troca de olhares, mesmo entre as minhas lágrimas. Ele já sabia a minha decisão.
─ Daniela, você está demitida. – Ele falou com a tranquilidade de quem já passou por isso tantas vezes na vida. – Não se preocupe. A equipe de advogados será instruída a lhe pagar a cota máxima na rescisão de cada contrato que você conseguiu para Bruna.
─ Rapaz, quem você pensa que é? – Ela o fuzilava com os olhos. – Bruna já teve vários namoradinhos, mas nenhum era tão metidinho a besta. Você acha que só porque tem dinheiro pode sair mandando a torto e a direito? Quem manda na vida dela é ela, ok? Você não tem autoridade para me demitir.
─ Mas eu tenho. – Respirei fundo e disse. Ela tinha o direito a ouvir da minha boca. – Kadu só está me protegendo. Mas você está certa. Sou eu quem mando aqui. Você está demitida, Daniela. Agradeço por tudo que fez por mim e garanto que financeiramente será uma separação vantajosa para você. – Eu limpava as lágrimas. – Mas agora eu preciso seguir um rumo diferente.
Pensei que Daniela faria um escarcéu, mas não. Depois de ouvir a ordem de demissão pela minha boca ela pegou sua bolsa no sofá, ajeitou os cabelos, respirou fundo e se virou em direção à porta. Antes de sair, disse:
─ Vou esperar essa fase acabar, Bruna. Como tantas pelas quais nós passamos. – Aquilo doeu. Era verdade. – Quando esse moleque tiver tirado de você o que quiser, ele vai seguir o rumo dele. Como os outros fizeram antes. Ou você acha que ele algum dia estará esperando por você no altar da catedral metropolitana com a sociedade inteira ao seu redor? Você? Bruna Gabrielly de Oliveira Drummond? Surreal!
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Por Onde Andei
Novela JuvenilNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...