Amor Carnal

Prólogo

– Paul MacCartney morreu.

    Saltei, assustado, no banco em que estava. Por pouco não derrubei meu café. Ajeitei o celular antes de responder.

– Como é que é?!

– O Paul MacCartney, ele morreu! – João disse animado.

– Minha nossa... Ele está aí?

– Sim! Paul MacCartney está aqui, na minha mesa de autopsia, e nu!

    A voz de João revelava o quanto estava animado pelo cadáver. Não era difícil de imaginar a cena: João, sempre lindo, vestindo seu avental branco manchado, com luvas de borracha, todo sorridente ao ver que o corpo de um dos Beatles estava em seu necrotério. Suas mãos grandes e precisas estariam recolhidas em reverência, enquanto tomava um momento para analisar o corpo, antes de cortá-lo de uma ponta a outra. Talvez estivesse pensando que "Entre tantas cidades pra morrer, o desgraçado escolheu logo uma cidadezinha do Rio Grande do Sul".

– Entre tantas cidades pra morrer, o desgraçado escolheu logo uma cidadezinha do Rio Grande do Sul! Você acredita nisso, Mário?!

    Ah, eu o conhecia tão bem.

– Uma puta coincidência, hein, meu amor – eu disse.

– E bota puta nisso. Três delas, na verdade. Chegaram junto com ele – disse João, mudando seu tom para um sussurro. – Parece que os quatro estavam juntos no ônibus da turnê, quando houve o acidente. 

    Arregalei os olhos, incapaz de acreditar.

– Ainda bem que não aconteceu nada de mais com o Paul aqui – completou.

– Além de ele morrer.

– É. Mas podia ser pior: o corpo dele poderia estar todo queimado e danificado. Uma das prostitutas ficou completamente carbonizada.

    Tentei esconder meu incomodo sobre o assunto. Falar sobre gente morta não era algo agradável para se fazer durante a minha curta pausa do almoço, antes de voltar para uma cozinha cheia de gente cortando e fritando carne morta. Meu estômago começou a revirar, e eu tentei me acalmar com mais um gole de café morno.

– Bom, eu tenho que ir. – disse João. – Te ligo mais tarde caso eu encontre alguma tatuagem ou piercing escondido. Você sabe, né? Algo como: "saúdem o Prince Albert".

    E desligou.