Eu estava dez andares abaixo dele, na sacada do tamanho de um selo da "cabine padrão externa" que dividia com minha nova meia-irmã, Penny. Como ele encontrou o meu rosto entre os milhares de outros abaixo?
Para mim, foi fácil achar ele. Era uma figura muito perceptível ali, na varanda - a maior do navio, com metade do tamanho da quadra de tênis do Enchantment of the Seas - alto, moreno e anguloso, a cintura magra se tornando um peito forte com ombros largos que mostravam, mesmo de longe, que ele malhava... mas não demais. O que era bom, porque nunca fui fã de meninos que malhavam demais, embora soubesse que era errado julgar as pessoas pela aparência.
Ainda assim, o cabelo despenteado dele também me agradou, porque quem quer um cara que se preocupa mais com o próprio cabelo do que você?
Não consegui distinguir os detalhes do rosto dele, porque parecia que a tempestade tropical que preocupara Penny o dia todo estava se aproximando. O céu estava roxo como um hematoma e lançava as feições dele em sombras misteriosas.
Foi assim que decidi que pensaria nele; como meu garoto sombrio e misterioso. Eu chamava de meu porque havia alguma coisa nele, além da sombria aura de mistério: parecia triste, tão sozinho naquela varanda imensa.
A terapeuta que comecei a frequentar depois da morte de minha mãe teria dito que aquela última parte era uma projeção (mas eu costumava argumentar que não via nada de errado em ter pequenas fantasias inofensivas).