*Ellan Cupy
Todas as manhãs quando acordo, eu me sinto irritado. Acho que talvez seja minha própria personalidade, mas acredito que tenha mais a ver com o fato de ter que enfrentar mais um dia terrível em meu fardo eterno em ser um cupido. Eu odeio essa história de amor, acho uma babaquice tremenda. Eu queria mesmo é ser um arcanjo ou no mínimo um anjo da guarda, mas não, eu tinha que nascer numa família de cupidos. E uma das famílias de cupidos mais famosas por sinal. Meu pai foi o responsável por fazer o príncipe Willian e Kate Middleton se apaixonarem, e minha mãe é a famosa cupido Lovegood responsável por flechar todas as celebridades. Então eu simplesmente não tenho outra escolha.
Saio da cama e me encaro no espelho, flexiono meus músculos que se destacam sob minha camiseta branca. "Que desperdício usar toda minha força para flechar simples seres idiotas, como os seres humanos". É engraçado o fato desses seres idiotas acharem que eu seja um anjinho gordinho que vive correndo pelado por aí. E acho um absurdo quando me acusam de ter feito alguma merda no relacionamento deles. O trabalho de um cupido é simplesmente flechar dois corações para fazer com que eles se apaixonem e não fazer com que o amor dure para sempre. Isso é trabalho deles. É isso o que eu mais odeio nos humanos, o fato deles não se esforçarem para manter o amor.
— Inferno de trabalho! — Reviro os olhos para mim mesmo no espelho e solto uma respiração frustrada.
Antes de sair do quarto pego a Ata. A Ata é um caderno de couro marrom que todos os cupidos ganham assim que passam da iniciação, ou seja, após completarem seus 18 anos de idade e se formarem na escola para cupidos. Na Ata, todos os dias de manhã aparecem o nome dos casais que deveram ser flechados durante aquele dia e que são determinados para cada cupido. Pego com desprezo a minha Ata e folheio algumas páginas. Com meus 26 anos de idade, minha Ata já começa estar bem cheia. Paro quando vejo dois nomes surgirem na página nova, sendo escritos em letras cursivas e com um brilho dourado.
— Thomaz Cooper e Stella MacFlay. — Leio em voz alta. Fecho bruscamente a Ata e agarro meu arco e flecha que estão pendurados atrás da porta do meu quarto.
Horas mais tarde, sobrevoo a cidade de Los Angeles. Observo atento a qualquer sinal de onde o casal de hoje possa estar.
Apesar de eu não gostar dos seres humanos, eu gosto do mundo em que eles vivem, é mais divertido e animado aqui. No céu é muito monótono, nada nunca muda, sempre é um paraíso. Eu gosto da agitação na terra e de como todo dia pode ser diferente e que até mesmo saber se vai chover ou não, seja algo extraordinário. E a propósito, eu nunca senti a chuva. Anjos não sentem e nossos sentimentos são mínimos. Somos como máquinas programadas para obedecer a Deus e fazer nosso trabalho.
Sobrevoo calmamente, desviando de um pássaro e uma nuvem que atrapalha minha visão, algo, porém chama minha atenção. Num parque próximo do centro da cidade percebo que as luzes rosas começam a piscar. Quando é dia de um ser humano ser flechado pela flecha do amor, o ser humano em questão emana uma luz rosada ao seu redor para indicar ao cupido denominado a eles onde estão, o que facilita um pouco o nosso trabalho. Nesse momento percebo que as luzes estão prestes a se encontrarem. Voo rapidamente, o vento bate no meu rosto fazendo meus cabelos voarem para trás, mas não sei dizer como é a sensação do vento, e isso me incomoda. Só paro quando pouso em cima do galho de uma árvore. Por um momento observo a garota correr com seus fones de ouvidos, ela está suada e usando roupas de ginástica. Ela é bonita para uma humana, eu tenho que admitir. Ela parece estar feliz correndo com intensidade e não parece ser tão nova, mas ainda é jovem. Olho para o outro lado quando percebo que a outra luz se aproxima. O cara vem andando calmamente usando um terno impecável. Ele parece ocupado e fala meio exaltado ao celular. Olho de um para o outro, tentando descobrir quem é que programa essa babaquice de amor, dá pra ver na cara deles que não combinam em nada. Ela parece ser extrovertida, pelo modo que suas roupas são coloridas e canta tão animada logo de manhã e ele é um carrancudo que parece ter sérios problemas com a raiva. Mas não sou eu quem resolve esse assunto afinal, eu apenas faço o que é mandado.
Pego duas flechas e as preparo as enlaçando no meu arco, porém no exato momento em que eles vão se encontrar e pelo jeito se esbarrar, algo estranho acontece. Um carro vem em alta velocidade sobre a calçada em direção à garota que ainda continua distraída cantarolando alegremente a sua canção. Paro, percebendo que algo está errado. "A morte não deve querê-la exatamente hoje, não exatamente agora".
Sem pensar, pulo da árvore e antes que o carro chegue a ela, faço o que jamais acreditei que fosse capaz de fazer.
Eu salvo a humana.
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A Paixão do Cupido (Conto)
Short StoryEllan Cupy é um cupido rabugento que odeia o seu trabalho. Amor para ele é uma idiotice. Seu maior desejo era ser um arcanjo ou no minimo um anjo da guarda. Mas um problema inesperado acontece quando, sem querer, ele acaba salvando uma humana, e o q...