A visita à casa de Dona Aparecida foi esquisita e tensa. Bruna não conseguia relaxar, como se a mãe dela fosse me atacar a qualquer instante. Ficou na defensiva o almoço inteiro. Nem me deixava falar direito. E a senhora foi tão receptiva. Mostrou sincero interesse por mim.
Fez várias perguntas sobre o meu trabalho, sobre a minha família, até sobre o meu carro. Eu entendi completamente, carros blindados chamam mesmo a atenção, tanto pelo peso quanto pela espessura do vidro.
Bruna, entretanto, não via o interesse com bons olhos. Desconfiava de tudo. Como se algumas perguntas sobre a vida do novo namorado da filha pudessem ser nocivas para algum de nós. Enfim, não entrei no mérito da questão. A relação de Bruna com a mãe era inteira esquisita e tensa.
─ Mas como é que você aguenta trabalhar todos os dias até que horas mesmo? – Dona Aparecida continuava a me perguntar as coisas, ignorando a indignação da filha e fingindo naturalidade.
Eu também assumi a mesma estratégia. Queria que Bruna conseguisse relaxar. Eu daria o meu jeito de me entender com aquela mãe complicada. Saberia fugir de qualquer pergunta indiscreta que não quisesse responder, da mesma maneira que ela fazia com a minha. Mas alguma coisa ficara no ar que eu não entendia. E era isso que estava incomodando Bruna.
─ Depende do dia, Dona Aparecida. Em dia de semana, trabalho até as sete e depois fico na academia até perto das dez.
─ Ah! O negócio da dança. Acho lindo! Vejo todo domingo vocês dois. – Ela sorria com admiração.
A mãe de Bruna certamente fora bonita como ela em algum momento do passado. Mas engordou bastante e tinha hoje um rosto sofrido de quem já viveu muita coisa. Os dentes sujos. O cabelo crescido sem nenhum corte. Porém, quando ela sorria, tinha algo da filha. Talvez a determinação.
Bruna estava arisca como uma gata ameaçada. Vez ou outra destratava a mãe desmentindo as histórias que ela contava, como quando Dona Aparecida disse que o pai de Bruna ainda a procurava. Que ainda era apaixonado. Negou veementemente. Disse que o pai morava com uma nova família em outra comunidade.
A mãe dela não ligava para os resmungos. Oferecia as comidas favoritas da filha na infância e contava histórias bonitinhas de Bruna bebê. Passava a mão pelos cabelos da filha carinhosamente. Estava tentando reestabelecer o contato que perderam depois de tantos anos. Não fazia menção de desistir.
─ É, mas nos fins de semana, chego em casa depois das quatro. Porque nesses dias trabalho na boate. – Continuei a conversa.
─ Nossa, meu filho! Isso é tarde! – Ela se surpreendeu. – Ainda bem que você tem esse carro blindado. A cidade anda muito perigosa.
─ Vivo dizendo isso para a Bruna. Ela deveria mandar blindar o carro dela também. Não é tão caro assim. – Completei. – Antes eu achava uma besteira da minha mãe, um medo desnecessário, mas hoje em dia, com toda essa violência... É melhor não brincar com o perigo.
─ Deveria mesmo, minha filha. Ninguém sabe o que pode acontecer por aí...
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Por Onde Andei
Genç KurguNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...