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- Prólogo -

Lembro-me daquele dia como se fosse hoje, as minhas pernas doíam e o meu corpo todo tremia, eu podia mentir e dizer que era do frio gélido que fazia naquela época, talvez fosse um pouco, mas não em completo, era o nervosismo que tomava e controla-va o meu corpo como se o mesmo lhe pertencesse. Na altura, talvez eu fosse apenas isso, um saco de carne e ossos controlado pelos nervos e pela ansiedade de ser bom o bastante, ou apenas suficientemente medíocre a ponto de ser admitido.

Aquele era o meu sonho, provavelmente fosse a influência do meu pai a cair-me em cima, a puxar-me ao limite para conseguir ser o que ele tanto ansiou ser no passado. O suor escorria pelas minhas costas, eu já havia perdido a conta das volta que havia dado áquela campo, tudo tinha o seu limite, o seu basta, eu sabia que já chegava, eu não seria melhor ou pior se desse mais um passo, eu seria eu, apenas e únicamente eu, novamente eu, o incapaz, o insuficiente, o inútil para a equipa.

Habitualmente eu parava no meio do campo e sentava-me no relvado enquanto limpava o restante suor do meu rosto e olha-va em volta. Não havia ninguém, nunca existia ninguém naquele recinto áquela hora da noite, o que fazia com que nenhum ser humano existente observasse o meu esforço para ser melhor, claro, nós deveriamos esforçar-nos por nós e apenas isso, mas as vezes isso não chega, na verdade isso nunca é o bastante, é satisfatório ouvir alguém dizer nem que seja uma mísera piada sobre o esforço feito em vão.

No fundo todos somos ridículos a esse ponto, todos gostamos de ser aceites e receber algum mérito, mesmo sem o merecer-mos.

Mas aquele dia não era um dia habitual, não era apenas uma rotina repetitiva, algo estava diferente, naquele dia estava ali um corpo, parado ao fundo do relvado, perto das bancadas sujas e velhas, eu sentia os seus olhos observarem-me enquanto eu estava sentado no chão sentado quase sem folgo como se não aguentasse metade do que acabará de fazer.

Eu não precisei de me chegar perto ou avançar, pelo canto do olho eu vi os seus pés, calçados com uns sapatos pretos sujos, caminharem calmamente na minha direção, e bastou segundos até o seu corpo se sentar ao meu lado.

O seu sorriso era quente e meigo, os seus olhos escuros brilhavam sobre a luz lunar, e a sua voz meiga tagarelou toda a noite em conjunto com a minha como se fossemos conhecidos á anos a fio.

Uma amizade cresceu ali, por meses nós eramos como um só, duas pessoas completamente diferentes que se completavam unicamente. Eu o inútil e pessimista que não conseguia chegar até ao ponto de vida que desejava, ela o raio de sol que iluminava toda a escuridão e eliminava toda a negatividade existente no meu ser.

Parecia perfeito, na verdade ela parecia perfeita, com o seu cabelo colorido num tom rosa salmão, os seus olhos escuros e todo um raio de luz dentro da sua alma.

Ela sorria sorria, e isso me deixava a pessoa mais feliz de todo o mundo.
Ela sorria, então ela deveria ser feliz, certo?

Hoje os dois sentados no relvado de sempre, existe algo diferente, silêncio.
Não existe uma conversa consistente não há um dialogo que dure mais do que três míseras palavras envolventes.

E foi naquele preciso momento em que se deu o início da chuva de estrelas pela qual esperava-mos em conjunto que tudo desmoronou.

- Como é que tu consegues? - A sua voz suoou baixa. - Como é que tu apenas aguentas tanto esforço por algo que tu sentes que não é capaz de fazer? - A sua voz quebra no meio, olho-a mas os seus olhos estão presos no fenômeno natural á nossa frente.

- Eu tenho fé. - Respondo com um sorriso fraco enquanto sinto os seus olhos pousarem sobre mim. - Eu tenho fé em ser mais que um perdedor. -

- Tu não és um perdedor. - A sua voz soou meiga e convicta ao mesmo tempo, o que me deixou sem reação mas confortável por finalmente alguém mo dizer. - Na minha visão, um perdedor é uma pessoa que finge estar feliz e atua em função disso. Alguém que age como se a vida fosse a coisa mais bela á fase da terra mas se destrói todos os segundos da mesma com as vozez aterradoras da sua mente, e não faz nada para mudar isso, não faz nada para melhorar, não se esforça para andar em frente e se mantem apenas ali especado á espera que a salvem. - Um sorriso quebrado aparece no seu rosto e os seus olhos ficam brilhantes, como se os seus demônios interiores, que eu achei serem inexistentes, estivessem prestes a sair.

- Ayla- Chamei num murmuro, o seu rosto virou lentamente para me olhar, e sem pronunciar uma única palavra ela aguardou que eu continuasse.

Eu sentia um nó na minha garganta, o meu estômago revirava com a resposta que eu iria obter após a resposta que eu iria lançar, tudo isso se misturava com a culpa esmagadora de nunca me ter apercebido de nada, de nunca sequer ter tentado saber nada dela sem ser as suas histórias hilárias e cheia de alegria, aquilo parecia demais para mim, para o meu corpo coberto pela consistente e habitual ansiedade, enquanto a vontade avassaladora de vomitar me preenchia fisicamente, uma voz mesquinha dentro da minha mente dizia vezes e vezes sem conta que nada seria o mesmo depois daquela pequena e simples pergunta ser lançada, e que talvez eu devesse me manter calado, e ser o covarde e inutil que eu sempre fui.

Mas desta vez eu não podia, não se tratava de mim, tratava-se da pessoa que me fez sentir mais que tudo isso, mais que o inútil idiota incapaz de chegar ao seu ideal. Não era qualquer pessoa, era a Ayla.

- Tu és feliz? - Perguntei num sussurro.

- Claro, eu estou a sorrir, não estou? Isso é o que pessoas felizes fazem. - Ela respondeu com a sua voz meiga e com a mesma exata expressão de quando nos conhecemos.

A única diferença é que agora eu havia visto a verdade.
O seu sorriso era quebrado.
Os seus olhos estava brilhantes porque as suas lagrímas estavam a tentar sair e a sua cabeça havia sido inclinada para cima enquanto os seus olhos se fechavam vagarosamente para as mesmas se manterem dentro dela.

Hoje não foi apenas um dia.
Hoje foi o dia em que tudo desmoronou.
O dia em que eu parei de ser cego e vi a verdade oculta.

Alya Lins não era feliz.

E numa questão de segundos eu esqueci qual era o ponto de vida em que eu estava, eu não desejava ou ansiava mais entrar na equipa de atletismo da cidade, eu queria salva-la.

Apartir daquele momento, essa era a minha meta de vida.
Salvar o coração da Ayla.

"When something is broken,
and you try to fix it, trying to repair it,
Any way you can"
- Coldplay



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⏰ Última atualização: Sep 16, 2022 ⏰

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