Entendi, de repente, essa impossibilidade de mudar as situações, as frequências cardíacas em relação a alguém, um minuto ou um segundo. Essa impossibilidade de tentar coordenar a dança dos movimentos não ensaiados. Essa dorzinha de se desdobrar mais do que se pode, tentando alcançar o passo perfeito, o movimento singular. E doeu como se eu tivesse vivido por anos em espaços que eu não decorei, em pessoas que não habitei, em lugares que não existi.
Era como se tivesse caído a ficha de que meus esforços, tortos, mas sempre insistentes, tivessem se perdido no meio do caminho, ou quem sabe nem ter chegado a metade. Esses anos da vida em que a gente cai em si e se desmembra de mil e umas maneiras tentando entender onde-foi-que-eu-errei é um dos piores. Como se a criança que queria segurar o mundo na palma das mãos e, acreditava piamente que conseguiria, tivesse crescido rápido demais. A escassez da fantasia e a certeza da lucidez machuca.
Entender que não se pode salvar a si mesmo, que dirá o mundo, corrói de um jeito que deixa a gente desacreditado. Você quase acha que fez tudo perfeito. Você quase acha que tem dito e feito as coisas certas. E então você tem 20 e tantos anos. E então alguém desmascara a vida pra você.
E então não dá pra voltar atrás e, se torna uma escolha que nunca foi sua, apenas foi entrando imperceptivelmente na sua jornada. Começamos a destruir o caráter místico da vida e, entendendo os sinais, os encontros ou as separações eternas. Descobrimos que não é possível julgar sentimentos alheios baseados em questões pessoais, nem esperar que entendam as nossas escolhas.
Comecei a ver as coisas assim. Acho mesmo que não podemos sair isentos dessa andança na vida sem a descobrirmos no seu íntimo. Impossível se reconstruir sem ter sido destruído de tal forma que seja necessário recomeçar o edifício inteiro. Acho mesmo que descobrir — e aceitar, principalmente — que não somos obras do acaso, é uma extensão bonita de entender quem somos e as coisas que acontecem na vida.No final das contas, aceitar é a forma mais rápida e segura de chegar a si mesmo.
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Crônicas: Despertar
Poetry| Série de crônicas | Despertamos, hora ou outra, em diversos aspectos e por milhões de motivos. Estamos condicionados a viver situações catastróficas e colecionar alguns momentos incríveis. Despertamos, hora ou outra, quando falamos de coisas que n...