Resistência

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Deserto do Kalahari, África do Sul, 2118, Terça-feira, 22:00

Segurávamos firme a mão uns dos outros enquanto nossa mãe terminava as orações de agradecimento para mais uma alimentação nesses tempos difíceis. Ao lado dela estava meu pai, e eu e meus irmãos fechávamos a roda. Apesar de tudo, éramos uma das famílias mais bem afortunadas do clã, contando com uma tenda relativamente grande para nos acomodar com certo conforto, roupas resistentes e comida suficiente.

Ao terminar o pequeno ritual de cada dia, ela nos concedeu permissão para comer, e assim o fizemos. Precisávamos nos alimentar bastante para hoje, muita energia seria gasta, e se tudo desse certo valeria a pena no final.

"Bomani, vá com calma, a comida não vai fugir." o homem grande chamou minha atenção, depois de eu quase engasgar com a comida. "Você também, Hashim." ele olhou para o irmão mais novo.

"Pai, daqui a pouco já temos que sair, não podemos perder tempo..." ele tentou contra-argumentar, olhando para Siwatu, sua irmã gêmea, a procura de algum apoio.

"Não olhe pra mim assim, você realmente estava comendo como um animal." Soltou uma risada ao receber um revirar de olhos de Hashim.

"Pessoal, foco, comam logo e se equipem, temos que sair em meia hora." Nyambura, a irmã mais velha, se meteu no meio da conversa, e voltamos a comer em silêncio.

O caçula, Dhoruba, foi o primeiro a terminar e logo levantou-se da mesa, e com a permissão de nossos pais partiu para a cabana onde ficam os equipamentos que usaríamos, e em questão de minutos o seguimos.

Calças de material resistente e flexível, botas, colete, joelheira e outros apetrechos rapidamente foram vestidos, enquanto outros 4 membros do clã chegavam para fazer o mesmo. Quando todos estavam prontos, nosso pai passou pela entrada com um comunicador na mão.

"Fahim acabou de informar que eles estão saindo agora. Em cerca de meia hora passarão pelo ponto de ataque, já sabem o que fazer?" Apesar da confirmação dos presentes, ele decidiu continuar. "Não quero colocar pressão, mas essa caravana é uma das maiores que já passou por nós, eles devem conter mercadorias que são valiosas no mercado negro e podem render um bom dinheiro que nos garantirá boas condições por um tempo considerável. Lembrem que são do governo, então não deixe que vejam seus rostos, usem as mascaras. Não quero perder ninguém, ouviram? Sejam cautelosos acima de tudo, nada de tentar se mostrar."

Após o pequeno discurso motivacional, ele se aproximou do nosso pequeno grupo enquanto os outros membros se dirigiam aos seus familiares para se despedir. Abraçou cada um de nós e seu olhar dourado focou em cada um.

"Siwatu, Nyambura, Bomani, Hashim e Dhoruba, vocês são meus maiores tesouros, não se esqueçam disso. Não tem mercadoria que substitua vocês, então, por favor, tomem cuidado. Usem bem seus talentos, não nasceram com eles a toa, assumiram uma responsabilidade ainda muito novos, peço desculpas por isso, mas desde meu acidente ficou arriscado para mim. Cuidem uns dos outros, são uma família e devem se proteger. Amo vocês, meus pequenos." Nos abraçou mais uma vez, algumas lagrimas de preocupação descendo por suas bochechas marcadas.

Não era fácil para ele e sabíamos disso. Cerca de 5 anos atrás, quando Siwatu tinha 18 anos, eu com 1 ano a menos, os gêmeos com 16, e Dhoruba 2 anos mais novo que eles, o homem saíra em uma dessas missões com os outros membros mais velhos, entre eles dois de nossos tios. No entanto, algo deu errado e somente 2 voltaram andando, com meu pai desacordado nos braços. Ele havia lesionado severamente as costas, o que o impediu de continuar seu trabalho, e passou a apenas treinar os mais novos.

Ele era de uma espécie de fora do planeta, não sabemos dizer qual, ele nunca fez questão de dizer, só temos noção de que ele e meus tios vieram para cá ainda jovens, onde conheceram seus respectivos parceiros e descansaram, até mesmo se tornando donos de uma pequena rede de estabelecimentos na capital da África do Sul. Com a implementação do novo regime, não viram outra escolha senão fugir para áreas onde a força da Nova Coligação não era tão forte. Viver no deserto não é fácil, e conseguiram se adaptar. Agora vivemos de roubos de caravanas e mercadores que passam por rotas próximas.

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