Explosões Solares

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Emily tinha tomado conta de um quarto no segundo andar da casa, era um espaço grande e vazio em que ela podia colocar seus pensamentos em ordem, longe do tumulto da sua família. Achou um baú trancado e não teve muito trabalho para abrir, pois o cadeado estava enferrujado. Lá dentro encontrou um monte de papéis velhos, poesias, cartas, e um desenho em grafite. Uma mulher deitada em uma cama dormindo, coberta por um cobertor marrom listrado. Parecia ela, o cobertor era o mesmo cobertor que ela tinha usado na noite anterior, o quarto o mesmo que ela dividia com sua irmã. Era um desenho feito dela mesma na noite anterior. O papel era velho, mofado e comido por traças. Emily desceu as escadas correndo e foi mostrar a sua mãe. O desenho estava assinado, John Miller. – É o padre que morreu nessa casa- disse sua mãe.

Eu sempre acho que minhas histórias não são boas o bastante, fico lendo e relendo e me torturando. Achando que deveria mudar uma coisa aqui e ali. Eu tenho que me policiar para não entrar nesse ciclo vicioso. Mas quando você tem que dar uma entrevista ou participar de uma roda de leitura do seu livro, é obrigada a reler. Tenha sempre certeza de uma coisa, seus leitores sempre saberão mais sobre a sua história que você mesma. Vão te fazer milhões de perguntas e encontrar interpretações, mensagens subliminares e fatos que você nem fazia ideia que existiam quando começou a escrever. É como se suas histórias, a partir do momento que você as publica, tomassem vida própria, e assumissem uma existência completamente independente da sua vontade enquanto escritor. Não há nada que você possa fazer quanto a isso. Toda vez que vou dar uma entrevista sobre meu livro me sinto a pessoa menos capacitada para falar sobre ele. Deve ser assim que uma celebridade se sente, com uma vida pública e uma história que tem vida própria e independente da sua vontade.

Eu estava relendo meu livro porque queria que a hora passasse mais rápido, e com minhas histórias parece que nunca há tempo suficiente para ler. O show era às nove da noite. De manhã o jornal local falava sobre a fila, quem chegasse primeiro poderia conseguir um ingresso. As pessoas começaram a chegar na noite anterior, passaram a madrugada ao relento. Pela hora do almoço fui dar uma volta na Santa Monica Boulevard, para ver como estava o movimento. Muita gente. Senti mais uma vez que eu não tinha o direito de estar ali, essas pessoas eram muito mais fanáticas por eles que eu, passar a noite na fila... Talvez alguém ali estivesse disposto a pagar uma boa nota por um ingresso adiantado... Não, eu nunca faria isso. Primeiro que não ia perder essa oportunidade por dinheiro nenhum do mundo, e segundo que a Christine ia ficar bem chateada. Encontrei uma lanchonete simples pelas redondezas e fui comer um hambúrguer. Daniel estava lá, com seu uniforme de sempre, camisa xadrez, calça jeans, all star, coque samurai e sua barba.

- Eeei e aí animada pro show? Ah essas aqui são a Julia e a Anne, elas ganharam o ingresso no sorteio.

- Oi, prazer! Sim animadíssima, nem acredito que vou vê-los!

- Já vai ficar por aqui até a hora do show?

- Não, vou em casa descansar e tomar um banho antes.

- A gente está indo pra uma pré daqui a pouco, se quiser apareça por lá, vou te dar o meu número.

- Vocês não vão ficar cansados até a hora do show?

- Nada, a gente que é aproveitar, e depois ainda vai ter a after né. Charlotte convidou uma galera do escritório para a after como premio de consolação.

- After? Nossa não sei se vou ter disposição.

É claro que eu ia ter disposição, não faço nada o dia inteiro, não tinha motivo nenhum para estar cansada, porque eu falei aquilo? Ah sim claro que sei. Eu sou completamente sem noção em festas, sempre fico muito doida de qualquer droga que me oferecem, e eu estava com a impressão que esse povo do escritório não ia oferecer nada muito leve.

Céus ViolentosOnde histórias criam vida. Descubra agora