Bruna - Quado Kadu saiu

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Quando Kadu saiu, tentei não focar no fato de que ele não disse que me amava. Mais uma vez. Depois de tudo que nós fizemos. Eu estava determinada a me conformar que essas palavras não eram importantes. Que as atitudes dele valiam muito mais. Só que não. Não dava para esquecer.

Custava ele dizer? Será que custava? Será que ele não me ama mesmo e ponto? Eu já presenciei a capacidade que tem de ser frio. De não se deixar atingir. Como o primeiro beijo que lhe dei meses atrás. Foi como beijar um boneco de pano. Tenho medo dessa frieza. Queria entender. Se for isso... Bom, por mais que me doa, não vou conseguir permanecer ao seu lado. Mas não acho que seja. Não depois de hoje.

Percebo que ele não é exatamente como os outros caras. Que não me vê da mesma forma. Claro que não. Ele me valoriza. Ele me enxerga. Ele me percebe. Nunca fui tão bem tratada por alguém assim. Aquilo não foi somente sexo. Ainda que ele não diga nunca, tenho experiência o suficiente para saber que nós fizemos amor. Amor. Eu me senti especial.

Quando ele me toca, é diferente de tudo que já senti antes. Não é só excitação, é delicadeza, é carinho, é cumplicidade. Eu o amo. E isso tem que bastar. Não posso exigir nada em troca. Amor não é assim? Pelo menos para as mocinhas da novela, é sim. Amar e sofrer, mas amar mais ainda. E eu que tinha tanto medo desse sentimento, estou me vendo sem alternativa.

Ou, então, caio na besteira de exigir o que não posso cobrar e me torno a vilã amargurada, a antagonista. Condenada a recolher as sobras do amor do mocinho. Não. Eu preciso acreditar que terei meu final feliz.

Vesti minha roupa lutando para afastar esses pensamentos de posse da minha cabeça. Olhei para a cama mais uma vez. Lembrei-me de tudo que acontecera e as memórias aqueceram meu coração cheio de dúvidas frias. Não importavam as palavras. Eu era amada.

Pensei em arrumar a cama, desisti. Queria que tivesse as mesmas lembranças quando voltasse. Que meu cheiro ficasse ali. Que seu pensamento voasse para mim no instante em que deitasse.

Peguei minha bolsa e saí. Deixei tudo exatamente onde nós deixamos. Até os travesseiros no chão.

Fazia um tempo que não descia àquele andar. O apartamento de Kadu era no andar do da minha avó.

Procurei a chave no chaveiro e entrei. Estava na hora de seguir em frente. Uma saudade imensa me invadiu naquele vazio. Eu tive vontade de chorar. Algumas lágrimas até caíram, mas me contive.

Engraçado como as coisas são, o apartamento vazio de Kadu estava repleto de sensações novas e provocantes. O apartamento de minha avó vazio era somente tristeza e solidão em todas as paredes. Os espaços têm mesmo esse poder de absorver sentimentos. As memórias de carinhos também estavam por ali, enfraquecidas pela perda. Uma tarde na cozinha fazendo bolinho de chuva. Nós duas assistindo à novela. Os meus adoráveis sorrisos de reconhecimento.

Olhei para o quarto na esperança de revê-la. Estava quase vazio. A estrutura de Home Care for retirada no mesmo dia. Não era mais o quarto da minha avó, era apenas um quarto.

Talvez aconteça com todos os ambientes. Eles se preenchem de amor e carinho na presença das pessoas. Depois, se o vazio vem, eles se completam de tristeza na ausência delas. Para depois voltarem a serem apenas cômodos. Prontos para novas histórias de amor. Deixando que as memórias boas se fortaleçam dentro da cabeça que é de fato o seu lugar.

Eu tomei uma decisão. Estava na hora de seguir em frente. Liguei para o Moreira. Eu iria vender aquele apartamento.

***

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora