Aprendi sozinha certas coisas na minha vida, que ninguém poderia ter me ensinado. Uma dessas coisas foi: cuidado com as surpresas. Uma surpresa nem sempre é boa como uma festinha de aniversário cheia de crianças escondidas atrás do sofá esperando o aniversariante para aparecer.
Às vezes, a surpresa é um teste positivo de gravidez bem na hora mais errada ou o namorado mal-encarado da mãe sentado muito confortavelmente no sofá da sala. Eu não sou estúpida o suficiente para transar sem camisinha, mas fui para chegar na casa da minha mãe de surpresa e dar de cara justamente com essa cena.
Nicodemos da Silva Nascimento. Ou, simplesmente, o Nico da Jurema. O mais conhecido vagabundo da comunidade. Preso três vezes. Roubo a banco, tráfico e formação de quadrilha. Filho de uma das mais respeitáveis moradoras do bairro, uma das mais antigas também. Mesmo assim, ninguém dava nada por ele. Nunca foi flor que se cheirasse. Meteu-se no erro cedo. Mas mostrou-se mais esperto do que a maioria, chegara aos quarenta quando ninguém esperava que passasse dos vinte. O namorado de mamãe.
─ Bruna? – Tamanho foi o susto ao me ver na porta que ela nem conseguiu disfarçar. – Entra.
─ Quem é? – Nico quis saber do sofá.
─ Minha filha, Nico. A Bruna. – Detesto esse jeito de falar gritando que pobre tem. Como se não estivessem a dois metros um do outro. Foi o primeiro costume que perdi.
─ A artista? – Demonstrou algum interesse em ver meu rosto. Levantou-se para me ver por cima do sofá.
─ Acho melhor eu voltar outra hora. – Disse convicta, sem a menor intenção de ficar no mesmo ambiente que aquele cara.
─ Nada disso, Bruninha. – Foi logo me puxando para dentro. – Nós ainda nem almoçamos. Você come com a gente.
Nem morta que eu comeria a macarronada cheia de carboidrato e gordura que Dona Aparecida preparava para o Nico da Jurema. Por outro lado, eu poderia mesmo acabar morta se não cantasse conforme a música perto do dito elemento. Achei melhor não contrariar.
O apartamento de minha mãe ficava na entrada da comunidade, dependendo do ângulo que fosse visto, nem dava para perceber que estava na favela. Eu não sabia como ela conseguira comprar, nem com o que estava trabalhando atualmente. A presença de Nico explicava muitas coisas.
Era um apartamento bem pequeno. Não tive opções a não ser ir para a sala. Sentei numa poltrona. Estirado no sofá, Nico assistia a um programa na TV por assinatura sobre customização de carros. Olhou para mim de rabo de olho, com desejo e eu tive muito nojo.
Nico não era um sujeito truculento. Definitivamente, não vencera pela força. Era franzino. Tinha um bigodinho asqueroso de pelos finos e suados. Ele todo me lembrava um rato de esgoto. Nico era o esperto. Provavelmente a cabeça por detrás dos crimes que cometera.
─ Você parece bastante com a sua mãe. – Tentei forçar o sorriso. Ele me mostrou uma foto pequena minha em uma revista. Parecia que estava olhando para ela fazia tempos. A revista que tinha Carlos Eduardo na capa. Aquilo me deu um arrepio.
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Por Onde Andei
Roman pour AdolescentsNo quarto volume da série Nando, pela primeira vez, temos a visão simultânea dos dois protagonistas: Bruna e Carlos Eduardo. Ela, atriz desde menina, não está acostumada a confiar nas pessoas. Resolve os seus problemas a sua maneira, nem sempre acer...