Sábado.
15 de Outubro de 2018.
Thalita, 24 anos.
Não importa onde eu esteja,
você nunca esteve aqui.
13 de Outubro de 2017Olá, querido professor!
Durante muito tempo, e quando digo muito, realmente quero dizer muito tempo, quis mandar essa carta, mas tantas coisas me impediam e então, eu ia deixando, sempre falando que o amanhã seria o dia certo, mas nunca realmente era.
Semana passada, fiz um desafio com os meus alunos. Sim, eu me tornei professora, esse era meu sonho, o senhor se lembra? Afinal, foi você que me incentivou quando eu estava no terceiro ano e não sabia se realmente deveria seguir meu sonho ou tentar medicina, como minha mãe tanto desejava. Ainda consigo lembrar claramente você me dizendo, com aquela voz mansa, que seria eu, apenas eu quem teria que conviver com aquela profissão, que aquele era o meu futuro e o de mais ninguém. Você me ajudou, me direcionou e me formei em Letras.
No dia 15 de outubro, comemora-se o dia dos professores. Sei que você sabe disso, afinal, essa foi sua profissão durante toda a vida, certo? Eu decidi reviver algo que você fazia conosco, sim, a carta para os professores. Esse sempre era meu momento durante o ano, afinal, sempre amei escrever, e a oportunidade de alegrar os professores com minhas palavras era simplesmente fantástica. Bem, naquela época, eu apenas doava as palavras, mas agora, ao receber todas essas cartas dos alunos, me senti tão incrível, tão amada e tão feliz por ter seguido meu sonho, que nem mesmo com minhas queridas palavras consigo explicar o quão bem me sinto.
Ao receber todas aquelas cartas, decidi que estava na hora de escrever a sua carta, já fazia muito tempo desde a última vez que escrevi, afinal, na época estava no ensino médio. E aqui estou eu, sentada olhando para fora da minha janela, sem saber realmente o que falar, mesmo tendo tantas coisas para dizer, e isso me lembrou de quando você me dizia, de que se não sei por onde começar, comece pelo fim.
Há 1 ano passei no concurso estadual, estou trabalhando como professora. Há 2 anos me formei. Há 6 anos, saí da minha cidade. Há 7 anos decidi o que queria do meu futuro, graças a você. Há 10 anos eu estava perdida. Há 18 anos, eu estava chorando, havia caído do balanço, você me salvou e se tornou meu herói naquele dia e claro, o pai da minha melhor amiga. E é isso, essa foi minha vida desde que sai do E.M. Nunca estive mais feliz, caso você queira saber.
Já está anoitecendo. Passei a tarde toda tentando escrever essa carta. Ainda não sei se realmente quero te contar tudo, mas estou cansada, sabe? Simplesmente cansada.
Era novembro de 2011. Meu último ano no ensino médio. Meu último mês de aula. Seu último mês como meu professor. Era dia 08 de dezembro de 2011. Meu último ano no ensino médio. Meu último dia de aula. O último dia da minha mãe. O pior fim de ano da minha vida. Naquela noite, eu soube de tudo.
Obrigada. Obrigada por ter sido o melhor professor que tive durante a vida. Por ter me ensinado coisas que a grade curricular não pedia e por me fazer acreditar no que eu amo, obrigada por ter me ensinado a não desistir, tanto na sala de aula, quando alguma atividade estava complicada, como na vida, quando as batalhas pareciam maiores do que eu. Obrigada por me levantar do chão aos 6 anos, por me ensinar sobre a matemática, e a beleza dos números e das letras trabalhando junto. Obrigada por ter me dado a melhor amiga que eu poderia desejar.
Parabéns por você ter sido o professor nota mil, porque como pai, você está abaixo de zero, mais parecido com os números negativos ao infinito.
Parabéns. Parabéns por ter sido essa pessoa tão baixa, por ter engravidado sua aluna quando era casado, por nunca ter dado apoio, por ter deixado ela a Deus dará, em uma cidade cheia de pessoas traiçoeiras, verdadeiras cobras. Parabéns, por não estar nas noites difíceis, como quando quase morri de dengue. Parabéns, por ter me deixado passar cada dia dos pais sozinha, fazendo-me sentir uma estranha, a esquisita do grupo, a órfã de pai, a deixada, a derrotada, parabéns, por ter jogado sobre mim todos esses sentimentos negativos. Parabéns, por cada lágrima que me fez derramar, quando após cada aniversário, o único pedido que eu fazia era ter meu papai. Parabéns, por ter perdido a chance de me ninar, de me amar e me ensinar as coisas que só você sabia. Parabéns, por todos os seus fracassos como meu pai. Parabéns, por nunca ter sido meu pai. Parabéns, porque você conseguiu destruir a imagem que tinha de alguém que não existia, conseguiu me fazer te odiar ainda mais.
— E por fim, parabéns por ter morrido antes que eu pudesse dizer todas essas palavras na sua cara. Até para isso você foi fraco demais. — Thalita fala olhando fixamente para a lápide. — Sabe, hoje era o dia apropriado para dizer isso a você, afinal, a única coisa em que você realmente foi bom para mim, foi em ser meu professor. — resmunga baixinho, em seguida, começa a rasgar a carta em vários pedacinhos, até que nenhuma letra mais pudesse ser lida, nada de proveitoso pudesse ser tirado, assim como aquela relação. — Ao mestre, com carinho. Essas eram as últimas palavras da carta. Esse é o fim. Adeus, professor. — e então deixa todas as suas palavras voarem, cada pedaço de papel em uma direção diferente, como se quisesse que o mundo abraçasse aquelas palavras, que todos a escutassem, que todos sentissem a sua dor, mas ao mesmo tempo, queria enterrar tudo aquilo, todas as dores, todas as palavras, todas as lembranças, até que tudo ficasse no passado. Thalita caminhou em direção a saída. As lágrimas desciam como cascata, e não havia ninguém para consolá-la.
Não importa onde eu esteja,
você nunca esteve aqui. Nunca.
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Ao Mestre, Com Carinho
Short StoryEra dia 15 de Outubro, dia dos professores, o momento perfeito para Thalita mandar uma carta para seu professor predileto. A sua última carta.