Esta é uma história sobre perda. A perda de quê, não sei. Ainda estamos no início e, no início, tudo aquilo que existe são perguntas. Desde o momento em que nascemos que nós, ou alguém por nós, nos perguntamos: Quem sou eu? Onde estou? Para onde vou?
Estas perguntas também afligiam, ou tinham afligido, José Maria Vitor, tal como tinham afligido os seus pais antes dele. No entanto, naquela tarde de Outono, Zé Vito, como gostava de ser chamado, preocupava-se apenas com uma pergunta em específico: Qual é o sentido da vida?
Como é obvio, o sentido da vida é para a frente, a não ser que o nosso carro desvie para a direita, mas isso ele já sabia. Ele queria saber o que acontecia quando o carro deixava de trabalhar no fim de ter explodido depois de chocar com um lama de gabardine
Parece-me que é altura de parar com as metáforas estúpidas. Para simplificar, o carro era a vida de Vito, o lama era o problema que o afligia e a gabardine era uma metáfora para o alinhamento cósmico dos planetas. Ou talvez servisse só para o lama não ter frio. Tal como disse, isto ainda é o início e eu ainda não sei bem o que estou a dizer.
Mas voltando ao problema. Eu chamei-lhe um lama, mas mais valia ser uma parede de betão trinta por trinta, tal era a dimensão do mesmo. Não estou certo que tudo isto tenha ocorrido na cabeça de Vito, mas se sim pergunto-me se ele se interrogou sobre as diferenças filosóficas entre um lama e um pedaço de betão. Provavelmente sim.
Vito era um homem reformado de 75 anos, ou pelo menos era assim que se imaginava. Na verdade, tinha 24 anos, dos quais mais de metade passara a dormir. Era quando dormia que se sentia mais feliz. Não haviam lamas, nem paredes de betão, nem narradores estúpidos que gostam de engonhar. Nada disso. Nos seus sonhos só existia a doçe vida de reformado. Vida esta que era agora ameaçada por um lama... ou parede...
O la... problema de Vito era simples: Todos queriam que ele arranja-se um trabalho. Como é que este problema provocava tão magníficas interrogações filosóficas? É simples: O único trabalho que Vito podia arranjar era no ramo da camionagem, onde os trabalhadores são conhecidos por dormirem pouco.
Camiões não explodem tão facilmente depois de chocarem com lamas, mas isto é apenas um facto estúpido e que para nada serve. Ou talvez seja uma metáfora sobre a existência. Não sei.
Qual é o sentido da vida? Depende para que lado desvia o teu camião. E, naquele momento, o de Vito desviava-se em direção a outros camiões e Vito sabia que aquele seria o seu destino. Não poderia mais ser um reformado de 75 anos. Tinha de ser um jovem de 24 que conduzia camiões enquando carregava ferozmente na buzina para expressar a sua raiva. Vito não queria esta vida e a solução parecia-lhe simples: Coma. Assim poderia sonhar para sempre
Coma alcoólico? Não, não queria ser um bêbedo. Que mais restava? Coma por traumatismo? Podia resultar.
Foi assim que Vito deu por si a conduzir um carrinho de golfe contra uma parede de betão, não 30 por 30, mas mesmo assim muito dura. Acelarou o carrinho até ao máximo e chocou com a parede a uns impressionantes 20 km/h.
Decepcionado, saiu do carrinho em lágrimas. Por sorte, escorregou, rebolou no ar três vezes, caiu em cima de uma marreta muito convenientemente posicionada e desmaiou. Coisas da vida.
E assim a família de Vito passou a ver o seu semi-adorado rapaz numa cama de hospital, a sonhar que o estado cortava a sua reforma. Não desligaram as máquinas. Em parte porque não sabiam como, mas isso não importa. O que é importante é que Vito continuou a viver, se é que podemos chamar um sonho de reforma vida.
Esta foi uma história de perda. A perda de quê, não sei. A perda da consciência ou talvez a perda da reforma que o estado fictício do seu sonho havia cortado. Acima de tudo e, na minha opinião, a perda de um lama, ou seja, de um problema, mas ao mesmo tempo o ganho de um rebanho de outros lamas. Ou será manada? O importante é que para viver num sonho, Vito deitou fora a sua vida e a sua brilhante carreira como camionista. Por isso lembrem-se: "Um lama não pode voar, mas se a Terra deixar de existir, então ele fica á deriva no espaço e morre."