Sempre gostei de ouvir música. De todos os tipos, mas especialmente rock dos anos 90. Tem algo de especial nelas. Não sei dizer, apenas é assim.
Por algum motivo, mais do que apenas ouvir músicas, gosto de saber sobre a vida daqueles que escrevem ou compõem essas músicas. Me fascina saber o que levou aquela mente a escrever aquela canção em especial. E foi assim que acabei com uma revista sobre Nirvana em minhas mãos.
Kurt Cobain é uma pessoa fascinante. Ele tinha essa dor de estômago que nenhum médico algum dia conseguiu realmente descobrir o que era. E isso nunca foi curado. O que aconteceu então é que ele passou grande parte de sua vida com essas dores que eram agoniantes, mas não havia nada que pudesse fazer. Algumas pessoas dizem que ele inventou essa história toda apenas para conseguir drogas ou algo assim, mas não importa. O que eu quero dizer é que li em algum lugar que Kurt dizia que toda sua inspiração para escrever música vinha dessa dor de estômago. Achei isso poético pra cacete. Desenvolvi, então, uma teoria de que toda pessoa tem sua dor de estômago. O que diferencia é o que cada uma faz com isso. Se vai deitar e chorar, procurar por morfina ou transformar em arte é o que realmente importa. Porque é isso que a arte é, no fim: uma porra de uma dor de estômago do cacete que faz você vomitar até que precise escolher entre morrer ou escrever aquele maldito poema que está entalado na sua garganta.
Por muito tempo me perguntei qual era a minha dor de estômago. Por que eu preciso ter uma, certo? Se não minha teoria não faz o menor sentido. Cheguei a pensar que fosse minha mãe, aquela velha horrorosa que não passa dois minutos sem me dar uma ordem ou me dizer como deveria cortar meu cabelo. Mas ela não é dor de estômago coisa nenhuma. No máximo é um pé no saco muito inconveniente.
Então, eu não tinha uma, afinal. Mentira, eu tinha, mas era muito pequena para ser realmente considerada uma grande dor de estômago. Minha solidão. Sempre fui assim, completamente solitário e perdido. O que posso fazer? Algumas pessoas simplesmente não nasceram para essa coisa toda de sociedade e relações humanas. Nunca me dei bem. Sempre fui aquele que fica encostado na parede enquanto todo mundo está louco de vodca. Eu queria ficar louco de vodca. Mas para que, afinal? No dia seguinte não haveria ninguém para eu contar como é que ganhei aquela cicatriz quando caí no meio da rua porque tentei fazer uma performance de pole dance em um poste de luz. Não havia ninguém. Nunca houve, até você chegar. Até minha dor de estômago chegar.
Eu gostaria de nunca ter conhecido minha dor de estômago.
Mas não tive escolha. Você estava ao meu lado, sem eu entender o porquê, de repente falando alguma coisa que eu não conseguia entender porque puta que pariu o homem mais lindo do mundo estava na minha frente. E dois segundos depois — eu juro que foram dois segundos, o tempo que você levou para arrancar o meu coração de meu peito e quebrar ele em dois bilhões de pedacinhos — eu estava louco de vodca. Eu mal senti o gosto, porque o álcool não importava de verdade. Porque eu nunca tinha reparado como os homens eram muito mais bonitos do que as mulheres. Não, porra, mulheres são lindas. Mas, homens, entende? Homens. Caralho. Ho-mens. Porra. Por que é que eu desperdicei tanto tempo da minha vida procurando no lugar errado?
Eu não pude me perguntar isso durante muito tempo. Cacete, por que você nunca me deixou respirar? Por que você precisava dançar tão rápido? Porque eu não me lembro de nós dois aproveitando a música, lembro apenas de você gritando no meu ouvido qualquer coisa que eu não consegui entender de novo porque eu nunca consegui entender cem por cento do que você falava porque eu estava ocupado demais pensando e olhando para outras coisas. Me desculpe se eu estou tendo um colapso nervoso aqui. Não consigo evitar.
Do que eu estava falando mesmo?
É, foi uma grande linha de pensamento cortada. Mas isso descreve bem o que aconteceu com a gente em seguida. Estávamos no lugar errado, na hora errada, demonstrando um sentimento errado. Não, não que o sentimento seja errado. Apenas demonstrar ele é que é, porque você nunca sabe exatamente quem está do lado e se essa pessoa tem um revolver ou quem sabe uma lâmpada fluorescente.
Não percebi de imediato. Você percebeu? Porque eu juro que tudo o que meus olhos encaravam eram seu sorriso. Aquele sorriso. Puta que pariu. Que sorriso. Como é que você andava por aí com esse sorriso? Como é que alguém conseguia conversar com você? Porque eu não estava nem perto da minha sanidade mental. E você remexendo o corpo daquela maneira, dando pequenos pulinhos alegres e eu sentindo vontade de acompanhar, mas não fazendo isso porque, porra, eu já mencionei o quão perdido mentalmente eu estava?
Eu senti vontade de impressionar. E era nisso que eu estava pensando naquele momento. Quando meu coração foi quebrado. Como eu iria te impressionar? Como me fazer ser interessante aos seus olhos?
E foi aí que eu senti.
Uma faca.
Duas mãos atrás de mim.
Uma palavra.
Outra faca.
Direto.
No.
Meu.
Estômago.
YOU ARE READING
Eu, ele e nossa dor de estômago
Short StoryEu gostaria de nunca ter conhecido minha dor de estômago. Eu gostaria de nunca ter sido eu.