Capítulo 6: Memórias

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"Ao tempo vos cedi, mas juro-vos... não haverá uma segunda!"

Lá no colégio, na sala de aulas a certa altura adormeci e entregue ao meus pensamentos, sobre os últimos acontecimentos reflecti. Pensei nas palavras da mamã  e naquele rapaz, de quem nunca me esqueci:

Há quase dois anos que não o via, mas lembro da primeira vez que o vi. Eu tinha treze anos no meu primeiro dia no ensino secundário e muito me comovi.

Naquele dia eu parecia uma estudante como as outras, isso graças a cor das minhas roupas. Vestia um uniforme Marron em xadrez, uma cor estranha, que me lembrava o Carolas bebendo xerez. De óculos azuis e argolas amarelas, distinguia-me na multidão como belas aguarelas.

Choveu naquele dia, muito eu diria. Tive pressa, culpa minha e escorreguei nos degraus molhados, pagando a ousadia.

 Eu caí e comigo o "Sal da Terra" e os óculos também. O livro ficou molhado, os óculos quebraram, mas eu fiquei bem. 

A multidão riu-se se mim e o meu orgulho teria sido ferido, não fosse ter chegado o estranho paladino.

Ele teve a gentileza do meu livro examinar e depois de mo devolver,  me atirou com o seu olhar. Da primeira vez não o vi. Peguei então os óculos quebrados e pouco a pouco comecei a suspirar. 

Ele era alto e magro, um pouco mais do que eu. Andava de gravata mal feita e o casaco aberto ao céu. Ele era desmazelado, um tonto filisteu e andava despenteado como o bravo Perseu.

Os seus olhos eram cinzentos, quase negros, com desejo de viver. E o sorriso, no qual mergulhei naquele instante, era o mais tímido possível, escondido no canto da sua boca como se dos seus lábios em linha recta quisesse crescer.

E assim como apareceu também desapareceu. Mas tarde percebi, por culpa do maldito sorriso que ele me deu. 

Foi nesse momento que conheci a "Viuvá" Francisca e a Jessica "Duas Luas" .

Elas contaram-me coisas . Disseram ele se chamava Xena, que ele era mudo e que eu era uma sortuda, pois aquele rapaz não sorria a qualquer uma. Eu sorri nervosa, achei que eram doidas! E me senti tão intimidada que decidi dali em diante não lhes ligar nenhuma. 

Passaram-se semanas e eu logo percebi, que houve algo naquele dia que eu nunca senti. Era algo novo, puro e irritante si , que me custava a esconder quando ele passava por mim.

Na minha jovem vida nunca imaginei  vir a ter rivais, ainda mais, como suas altezas Reais. As Princesas Ana e Margarida Ramires, filhas do Conde Ramires, sobrinho do Rei, também gostavam dele. Ai de mim, que não parava de pensar nele.

 Em certo momento decidi agir. Aprendi Línguas de Sinais, para com ele interagir. Mas eu era tão tímida e medrosa, tive vergonha de lhe falar. Faltou-me  a coragem e ousadia para tentar. Pensei então que - tendo em conta o mar de garotas que o abordavam todos os dias - a minha única opção era observa-lo de longe e de longe observei. Assim fiquei durante um tempo, até que um dia a Francisca, a ruiva e a sua amiga Jessica, que secretamente me observavam, me apanharam em flagrante na biblioteca e eu logo me assustei.

 - Viu?  As mansas são as mais safadas! _ disse ela, falando para Francisca.

 O modo como ela o disse, me deu vontade de lhe bater e o cliché já batido, tornou quase impossível ter de me conter.

- O que é que vocês querem? ! _ Eu estava cansada de ter olhos postos em cima.

 - Relaxa! só queremos conversar. _ disse ela, gesticulando "calma" com ambas as mãos.

- Se vais vai mesmo falar com ele, há alguns factos curiosos que deves saber.  - Disse a " Viuva".

- Como o quê?!  _ perguntei de novo.

- O seu nome verdadeiro é  Eduardo De La penã, mas ele odeia. _ elas riram.

- Ele é um bom amigo ... - disse.

- E apesar do que certas bocas digam, ele tem mesmo 15 anos.

- Obrigada... mas, porquê me dizes tudo isso?

Olhando para mim com os seus intensos olhos verdes, ela sorriu. 

-Porque gosto de ajudar!

- Tu mal me conheces! _ atirei, espantada.

Elas riram-se,  como se algo engraçado tivesse dito.

- Na verdade, conheço... e também sei o que sentes por ele!

Foi com tais palavras que despertei e enquanto me preparava para a ultima aula, lembrei de ter achado a ideia tão ridícula que por dois anos nisso remoí, só para descobrir que na altura não voltaria vê-lo a sorrir.

Pequenos Contos de Paixão & Perigo: Ribeirinha MaiaOnde histórias criam vida. Descubra agora