Tokyo (Klaroline)

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  "I love you as certain dark things are to be loved, in secret, between the shadow and the soul."  

(Parte1)

 Um dia, quem sabe, talvez...

Era de noite, uma noite de inverno escura e apagada, a temperatura tinha baixado muito e eu podia sentir sob meus pés pedaços de gelo se fundindo para formar uma fina película que eu destruía involuntariamente a cada passo. Eu conseguia seguir o volume da minha respiração nas nuvens de vapor que se formavam no ar enquanto caminhava. Eu devia ir para casa, mas eu não queria. Eu queria continuar andando até ficar exausta. Eu devia correr, isso faria com que eu me esgotasse mais rapidamente. Mas, eu também não queria isso. Eu não tinha ânimo para isso. Eu queria vaguear apenas. Sem rumo. Afinal, era assim que eu me sentia. Totalmente sem saber para onde ir, onde ficar. A culpa dentro de mim me mordia sem dó, deixando meu estômago embrulhado numa base constante que me fazia achar que ia vomitar a qualquer segundo. Eu cerrava meus punhos tão forte que podia sentir a pele pinicando e ardendo cada vez que eu abria as mãos num gesto consciente de liberar a tensão.

Os pesadelos tinham começado a semanas. No início, eu achei que eram apenas isso, pesadelos, mas conforme eles foram ficando mais frequentes e intensos eu percebi que não. Eram memórias querendo voltar. Memórias que me machucavam, que me separavam do controle que eu tão orgulhosamente alegava ter sob mim mesma. Memórias que me separavam da minha dignidade.

Memórias de quando eu desliguei a minha humanidade. Eu acho. Eu não sei. E se for verdade, eu não faço puta ideia do porquê que eu fiz isso. E isso estava me enlouquecendo.

É incrível como nós associamos a noite e o escuro a ausência de vida. Agora vagueando sem direção eu podia ouvir tantos sons diferentes, animais que eu não conseguia identificar e animais que eu conseguia. É incrível como enquanto humanos nos é incutido o medo do escuro, daquilo que não podemos ver, e como levamos essa aprendizagem para a vida. Eu sorri quando senti um lobo se aproximar. O seu andar calmo e compassado me deixou confusa, ele não ia me atacar, claro. Os animais tinham um instinto natural de fugir de criaturas como nós, ao contrário dos humanos, eles não se deixavam enganar pela nossa forma, mas ele continuava vindo na minha direção, sem de fato se aproximar o suficiente para que eu pudesse vê-lo se virasse para trás. Eu fiquei atenta à sua presença, afinal eu precisava me alimentar, eu sentia minha cabeça arder, minhas veias aparecendo e minhas presas dando sinais de vida inchando a minha gengiva. Mas, eu estava lutando contra aquilo, eu não queria me alimentar. Não agora. Eu queria continuar consciente de tudo no meu corpo. Por alguma razão, eu achava que o sangue era o que estava toldando minhas memórias me impedindo de lembrar, me mantendo segura longe daquilo que podia destruir a imagem que eu tinha de mim mesma.

De repente, eu comecei a perceber as passadas rápidas, a respiração, ele continuava vindo na minha direção, rápido, seguro, decidido, como se eu fosse a presa e não o predador. Eu me virei de costas apenas para ver aquelas presas pulando no meu pescoço para me atacar como se eu fosse um animal. Eu não senti medo, o micro segundo que ele levou entre o salto e o meu pescoço foi o suficiente para que eu o afastasse com a mão. Eu fiquei olhando, encarando e ele fazia o mesmo, como se estivesse me zuando, quando um feixe de luz vindo do nada iluminou os seus olhos eu percebi. Ele voltou a sua forma normal enquanto ria de mim, completamente pelado.

Klaus.

Como se eu não tivesse problemas o suficiente.

– Oi Caroline - ele disse com aquele sorriso meio rasgado de criança que foi pega fazendo alguma besteira, para logo a seguir ficar sério e fechar a cara para voltar a ser o Klaus que eu conhecia. Assim era melhor. Aquele sorriso era desestabilizador demais pra minha saúde mental. Ele riu de novo. Agora mais contidamente, mas eu consegui ver um sorriso se construindo e morrendo no canto da boca. Aquela boca que sempre me alterou. Porque ele tinha que ter uma boca tão beijável e porque eu tinha que ser tão suscetível? Eu suspirei pesado tentando tirar aquele pensamento da minha cabeça junto com o vapor que saía da minha boca. Ele se aproximou e eu fiquei parada, sentindo meu corpo pesado. Se eu olhasse para a boca, ia querer beijar. E se eu olhasse para qualquer outro lugar... Porra! Ele estava pelado na minha frente. "Concentra no escuro, Caroline, nas árvores, em qualquer coisa", eu dizia a mim própria antes dele pegar no meu braço:

Tokyo (Klaroline)Onde histórias criam vida. Descubra agora