Capítulo 01
− PRECISAMOS CONVERSAR.
− É, acho que precisamos...
O silêncio que se instalou na sala não incomodava. O vermelho encardido no pano do sofá era familiar, quase orgânico. Quantas vezes não havia sido a cama, a mesa? Quase um cômodo por si só? Cair nele após um dia exaustivo, chorar nele até o terror de uma prova monstruosa e impossível se esvair. Era quase humano, quase mais um naquela casa.
− Engraçado, essa frase sempre traz uma comoção com ela. Oh, meu Deus, ele quer conversar comigo, o que será que ele vai falar? − as risadas encheram a sala do volume certo. Não havia espaço para mágoas ali. − Mas não sinto nem nervoso, só...
− Que o momento chegou e não tem como escapar dele?
− Sim − a ênfase na fala demorou a morrer na sala. A reverberação pesou nos ombros de Rebecca e a fez pensar sobre como tudo se desgovernou tão de repente e tão rápido na vida do casal. − Já achou engraçado a palavra casal? Até hoje não me acostumei com ela.
− No começo sim... − E novamente o silêncio estava lá. Rebeca ponderou o quanto ele se tornara presente em sua vida nesses últimos dias. É, talvez, não tenha sido tão de repente assim. − Mas depois se tornou algo especial, tipo: "meu Deus, estou mesmo namorando!".
− Hm...
− Mas pelo visto, você nunca se acostumou, não é? Sempre fui um amigo.
Um soco doeria menos, Augusto, muito obrigada. Entretanto Rebeca não conseguiria negar. As palavras brincaram em seu estômago e depois foram para a garganta ameaçá-la. E novamente, silêncio.
− Você era mais espontânea, lembra? Aquela vez que fomos na praia às 00h00 de uma terça. Aquilo foi louco, tínhamos uma viagem às 05h00 da manhã, eu gripado, mas era nosso último dia na Califórnia. Califórnia, cara! Tínhamos que fechar em grande estilo, você não permitiria algo diferente e não permitiu. Me enfiou um suéter velho e fedido e fomos lá. Nunca que The Neibourhood faria tanto sentido na vida de alguém, aí você...
− Pare − a voz de Rebecca saiu como um fio.
E Augusto a olhou do chão, de onde estava deitado vendo seu talk-show predileto, e pôde mais sentir do que ver o quanto ela tinha ficado mexida com essa lembrança. Para ele, o livro aberto chamado Becca havia virado um labirinto quase sem saída.
− Você mudou. Melhor, nós mudamos. Não é?
− Sim − os dedos dela criavam vincos no sofá − que bom que você se pôs no meio dessa mudança, Gus.
− Óbvio que me colocaria, não vou ser injusto. Pelo menos, vou tentar.
As imagens da TV sem som continuavam a seguir sua programação. Rebecca virada de costas para Augusto, Augusto digitando algo em seu celular. Não foi assim que planejei essa conversa, a mensagem foi enviada e ele deixou o celular cair sobre si.
− Amigos?
− Sempre fomos.
− Acho que nunca deixamos de ser, talvez esse tenha sido o problema.
− Discordo. Sempre falo que você tem que namorar sua melhor amiga para meus amigos.
− Você e sua sabedoria sem fim.
− Vou encarar isso como algo positivo e não uma afronta.
− Ah claro, porque você é indiferente a tudo. Não estou surpresa.
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Filosofal
RandomSeria errado um coração começar a buscar alguma razão para a emoção?