Bruna - Ele abriu um sorriso de enternecer boi bravo

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─ Você veio? – Ele abriu um sorriso de enternecer boi bravo e me abraçou. Eu estava visivelmente constrangida, com as mãos no bolso.

─ Olha, Carlos Eduardo, eu só vim para te dizer que você tem tanto medo que eu represente meus sentimentos, mas, na verdade, quem mentiu desde o começo foi você.

─ Agora eu percebo isso com clareza, Bruna. – A concordância terminou de me desarmar. Ele me levou para sentar em um dos banquinhos da escola pública onde estava fazendo a prova. – Mas eu não conseguia enxergar, porque eu estava preso numa teia de insegurança. – Nós ficamos vendo as pessoas passarem. Faltava pouco para a prova acabar. – Você estava mais do que certa em dizer que eu sou medroso, que vivi numa redoma. – Kadu mordeu o lábio e ajeitou os óculos. Dava para ver que escolhia as palavras. – Sem querer ofender, Bruna, mas ao contrário de você, eu tive muitas opções. Tenho ainda. Opções que vão para além do fato de eu ser branco, homem, cristão e bem de vida financeiramente. Características que por natureza já abrem mais portas. Além disso, eu tenho uma família estruturada, que me ama e faz tudo por mim, estudei nas melhores escolas que o dinheiro pôde pagar, fui orientado, educado, protegido. Acho natural que eu me sinta temeroso em dar meus primeiros passos por conta própria.

─ Eu entendo. – Talvez não fosse a intenção, mas ele estava jogando na minha cara todas as nossas diferenças. A distância de um universo de pequenos detalhes que nos separava. Como se eu não soubesse.

─ Tenho medo de falhar. Tenho medo de decepcionar. Tenho medo de fazer a escolha errada. Por isso eu vou com calma. Calma até demais. – Ele pegou a minha mão e a beijou. Seus olhos azuis não saíram de cima de mim nem um instante sequer. – Já você, Bruna, você é tudo que eu não sou. Você vai lá e faz. Paga para ver. Não deve nada a ninguém. E, se leva uma rasteira, levanta e sacode a poeira sem hesitar... Você provoca. Mas você também se defende. – Deve ter se lembrado de algumas cenas de ontem. – E como. E eu te admiro do dedo dos pés às pontas dos cabelos por causa disso.

─ Provavelmente, eu exagerei um pouco ontem...

─ Exageradas foram as suas vizinhas lésbicas dando vivas e aplaudindo. – Ele riu. – Você acabou comigo, só. Simplesmente me reduziu a pó e me varreu da sua vida.

─ Você mereceu.

─ Mereci. Concordo. – Ele balançou a cabeça afirmativamente. – Embora eu ache que, se eu for aquilo tudo que você disse, é melhor mesmo ficar longe de mim. Mas, você sabe, não sou o babaca machista que você descreveu. – Passou a mão pelos cabelos. – Bem, talvez só um pouco... – Fez o sinal de pouco com os dedos. – Sou idiota a ponto de transferir para você as minhas inseguranças com relação ao mundo inteiro. De exigir que seu comportamento se adeque ao que eu espero, e isso é machismo sim. Ao invés de traçar metas e exigir resultados, eu deveria ter me esforçado mais em construir uma relação nova. E me entregar ao inesperado. Exatamente como nós estávamos fazendo. Eu realmente espero que você me perdoe por não ter feito isso. – Ele respirou fundo antes de continuar. – Mas, por outro lado, quero que fique bem claro, fiquei com você porque você me encanta de uma maneira que me tira do trilho e me faz perder o controle. Acho que você mostra o melhor de mim. Como na pista de dança. – Não pude deixar de sorrir, era inegável que nós funcionávamos muito bem dançando. – Você faz de mim um cara melhor, Bruna. E isso é admirável! Não tem nada a ver com caridade, piedade, ou qualquer outra maluquice da sua cabeça repleta de questões de classe. – Ia me zangar, mas encontrei os olhos dele grudados em mim. Desisti. O cristalino naquele azul bastava para tirar toda a zanga. – Além disso, eu não estou nem aí para o desempenho sexual dos outros caras com quem você se deitou. A sua vida é sua. E ninguém tem nada com isso mesmo. Você está certíssima a esse respeito. Não tenho menor interesse nesse tópico. – Não pude conter uma lágrima. Ele a secou com o polegar. – Como eu pude pensar que suas lágrimas são falsas? Você nunca foi fingida na nossa relação. Todas as risadas foram de verdade, todos os gemidos de prazer, todas as caretas de desaprovação.

─ Isso foi injusto para caramba! –Suspirei no meio das lágrimas. – Posso até ser atriz, mas nunca fui falsa. Nem com você, nem com ninguém.

─ Foi injusto para caralho, Brunita. Pode dizer. Para ca-ra-lho! – Era esquisito vê-lo falando palavrão. Chegou mais perto de mim e me abraçou. Eu me afastei. – Principalmente, porque o falso fui eu. Como você mesma disse. Fui eu quem estabeleceu regras para como nós deveríamos funcionar. Eu queria o sexo, mas não queria ser mais um na sua cama. Queria vencer o lance físico tão forte que você tem. – Ele chegou ainda mais perto e levantou uma parte dos meus cabelos. Deu um beijo no meu pescoço. – Esse lance que me deixa louco. Que deixa qualquer cara louco. Porque, vamos ser sinceros, você é uma tremenda de uma gostosa, Bruna.

─ Você está sendo muito atrevido para quem acabou de levar um passa-fora.

─ Aprendi com a melhor.

─ A melhor vai meter a mão na sua carinha rosada se você continuar com enxerimento. – Ele levantou as mãos como oferta de paz.

─ Voltemos ao tópico anterior, então. – Continuou tomando alguma distância. – Eu queria que o sexo não fosse a nossa única forma de comunicação. Queria que, aos poucos, nós fôssemos nos tornando namorados de fato, antes de partirmos para o que eu achava que era meramente físico. Como se fosse possível controlar uma coisa dessas? Controlar como e quando a gente se apaixona de verdade? Vê como eu sou idiota? – O sinal tocava. A prova acabara. O restante das pessoas começou a sair. – O amor chegou primeiro para você, é óbvio. Sei lá o que foi que você viu em mim nos nossos ensaios, brigas e complicações. – Não ia entrar no mérito da sua gentileza, da sua educação, da dedicação e do cuidado que sempre tivera comigo. Não daria argumentos a ele. Eu continuava zangada. Mas a conversa estava tirando os pesos do meu coração. – Peço mil desculpas por ter duvidado disso.

─ ... – Continuei calada. Não tinha o que dizer.

─ E, para mim, que sempre pensei que sexo e amor fossem coisas tão distintas, tomei um baita tombo da vida. Aprendi uma lição valiosa. O amor, de repente, me arrematou numa mistura de entrega, dedicação e calça jeans. – Ele tirou os óculos e segurou meu rosto. – Quando você se dispôs, depois de uma semana de cão, a almoçar com a minha família, obviamente, só para me agradar. E mesmo com a minha mãe teimosa e meu irmão inconveniente, você foi simpática o tempo inteiro. Daí, eu me dei conta de algo, que já me consumia a algum tempo e eu não sabia explicar, que você era a mulher mais maravilhosa que já tinha passado pela minha vida. Não só por isso, mas foi a gota d'água. Meu momento de epifania. E eu seria o maior panaca do universo se não transformasse o que eu estava sentindo em alguma coisa palpável. – Ela forçou o encontro dos nossos olhares. Estava falando a verdade. Ele não conseguiria mentir. Não assim, não daquela distância, não daquele jeito. – Naquela tarde, amor e sexo foram exatamente a mesma coisa para mim.

Por Onde AndeiOnde histórias criam vida. Descubra agora