O Manequim

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Não consigo mais aguentar isso. Sei que minha família não leva o que digo a sério mas que se fodam eles! Eles não entendem o medo que eu sinto só de pensar em chegar perto da Mônica Varejo ou de qualquer outra loja de roupas. Entenda, não é por causa de nenhuma briga com alguma colega de trabalho. Eu sempre fui de ficar mais na minha mas conversava com todo mundo, e todas são pessoas maravilhosas.

O problema era Megan e Anne.

Agora, se você é um policial e está lendo isso querendo saber por que eu me matei, por favor, leia até o final. E sim, eu estou perfeitamente ciente do quão absurdo é tudo o que irei contar, mas precisa acreditar ao menos um pouco em mim quando digo que não estou louca.

Não sei se você sabe, mas a Mônica Varejo é uma loja de moda feminina nova e pequena em comparação com as outras mais famosas. Então você pode imaginar o quão incrível foi pra nós conseguir que nossa humilde lojinha conseguisse um espaço no maior shopping de Todos os Santos. Até hoje, ainda lembro da festa improvisada que eu e as outras garotas demos pra comemorar. Bom, talvez não lembre tanto. Teve bastante bebida e eu acordei no sofá de casa fedendo à cerveja.

Lógico que tivemos algumas mudanças na loja. Era um espaço novo e mais gente pra atender. Mais pedidos, mais entregas, mais funcionárias… e mais manequins. Antes tínhamos apenas um modelo feminino preto numa pose meio diva, com uma das mãos na cintura e a outra na altura dos ombros, parecendo que estava esperando que alguém lhe entregasse as chaves de algum carro de luxo em sua mão. Chamávamos-a de “Lucy”. Lucy era uma boa manequim.

Mas aí veio aquelas coisas.

Dona Mônica tinha comprado outras duas manequins pra ficarem uma na entrada da loja e outra no meio. Eram pálidas e tinham alguns pequenos sinais de desgaste nos cotovelos — não que alguém desatento fosse notar —, o que deixava claro que nossa chefe não gastou muito nelas. Ela me contou que havia encontrado as duas numa estranha tenda de roupas usadas na Praça Carvalho. O dono delas — dona Mônica não conseguia se lembrar direito como o sujeito era — vendeu-as por meros dois reais cada. Ela não estranhou a situação, mas eu sim. Mesmo assim, deixei de lado. “A vida as vezes é estranha, certo?” foi o que pensei.

Só que elas sempre me passavam uma sensação estranha de desconforto. Eu estava ficando paranoica, imaginando que suas cabeças sem rostos viravam pra me olhar toda vez que eu não estava de olho nelas. Acho que você só sentiria isso se ficasse por muito tempo perto delas, porque as clientes pareciam não se incomodar em nada com suas presenças.

“Então por que as outras funcionárias não sentiam a mesma coisa?” você pode estar se perguntando. E a resposta é bem simples: Eu não fui a única que sentia isso. A Laura também sentia. Sim, Laura Munhoz. A mesma Laura que está desaparecida há quase uma semana.

Passaram dois meses desde que as duas manequins chegaram e logo receberam seus nomes — antes a gente botava nomes só pra ser divertido, mas agora era pra identificar uma manequim da outra. Dona Mônica chamou a com o braço esquerdo reto na direção do chão de “Megan”, e a com as duas mãos na cintura de “Anne”. Não sei explicar o porquê, mas parecia que eu e Laura éramos as únicas que sentíamos aquela sensação de algo ruim nos observando. Será que éramos as únicas que interessavam? Talvez haja algo que atraía a atenção daquelas coisas até nós. Eu não sei, e não faz mais diferença pra mim agora.

Foi então que, um dia, eu fiquei responsável por fechar a loja sozinha. A maioria das outras lojas já haviam fechado e poucos seguranças ainda rondavam os corredores. Aline não pôde ir ao trabalho por causa de um resfriado; Jéssica tinha ido viajar para o interior por causa de um casamento de uma prima dela; dona Mônica teve que sair mais cedo porque seu filho, o pequeno Júnior, estava com febre e pediu para que eu fechasse tudo quando terminasse o expediente.

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