5 - Nem tudo é o que parece

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Abri os olhos, mas não conseguia enxergar nada. Senti muito frio e não encontrei Vitória. Tentei me levantar, mas estava com muita dor pelo corpo e quando enfim consegui ficar de pé pude enxergar algo a minha volta. Eu estava em um beco, o chão estava molhado e era noite... Como vim parar aqui?

- Gisele... - ouvi uma voz de mulher como um eco, me chamando no fim do beco. Mas não vi ninguém, só queria saber onde eu estava.

- Onde estou? - Minha voz soou como um eco também, quando me dei conta percebi que estava em meu corpo de criança, vestindo apenas uma longa camisola cor de rosa e com mangas compridas. Comecei a sentir muita falta de ar, e o suor escorrendo pelo meu rosto, minhas pernas e minhas mãos tremiam, parecia que aos poucos o medo tomava conta de cada pedacinho meu...

- Olá querida, eu só quero conversar com você... - ela veio se aproximando de mim pelo beco e vestia um casaco preto enorme que arrastava e fazia barulho pelo chão, e eu podia ouvir o barulho do salto alto a cada passo que ela dava, e quanto mais perto ela chegava, mais medo eu sentia.

- Se afaste de mim, você não manda mais em mim! Vai embora!

Eu gritava, mas nada parecia funcionar, ela se aproximava mais e mais... Eu gritei! Muito alto e muito forte e então pude ver o rosto daquela mulher e... Era o meu rosto, só que com uma expressão de ódio e maldade que é difícil explicar, e ela continuava vindo em minha direção cada vez mais rápido até que...

- Não!!!

Abri os olhos...foi só um pesadelo. Eu estava tão ofegante e ainda tremia. Olhei para Vitória dormindo na cama, me questionei se seria uma boa ideia trazê-la pra minha vida, ela mau chegou e já estava fazendo uma bagunça na minha cabeça, eu estava tão bem sozinha. O pesadelo me deixou mau humorada, achei melhor sair e espairecer um pouco. Levantei, escovei os dentes e joguei uma água no rosto, torcendo para que a lembrança daquele pesadelo descesse pelo ralo também, enfiei meu casaco velho de lã, escrevi um bilhete para quando Vitória acordasse, e peguei uns trocados em uma gaveta para trazer algo para o café da manhã. Melhorei assim que senti o sol ardendo no meu rosto, estava uma manhã muito bonita... Nem parecia que tinha chovido tanto. Pude ouvir o som do vento balançando as árvores e os passarinhos e já não me lembrei mais do terror que foi minha noite.

Caminhei por algumas quadras, até chegar numa área mais nobre do bairro onde eu morava, sentei num banco de praça onde eu podia ver as casas... Seria tão bom morar num lugar assim, comecei a me imaginar correndo todas as manhãs pela praça, com um cachorrinho, voltando pra casa e tomando um belo café da manhã com pães de todos os tipos e frutas, na companhia dos meus pais perfeitos antes deles saírem para mais um dia de trabalho... - Que lindo fruto da minha imaginação, bem que meus sonhos poderiam ser assim durante a noite também...

- Falando sozinha Gisele? - uma voz familiar interrompeu minha fantasia.

- Gabriel! - Quase não o reconheci sem o uniforme do mercado - O que você tá fazendo aqui?

- Eu moro logo ali. - Disse apontando para as casas da minha fantasia. - E o que você está fazendo aqui? Você também mora por aqui?

Eu nunca tinha falado da minha vida para o Gabriel, tudo o que sabíamos um do outro acontecia do mercado pra dentro. Não que eu fosse orgulhosa, mas não gostava de falar da minha droga de vida pessoal, digamos que não tinha nada de interessante para dizer, então, algumas coisas eu não falava, e outras eu inventava, como por exemplo, dizer que moro com meus pais, numa casa grande, e que eu não podia sair com ele e o pessoal nos finais de semana por que ficava sempre com a minha família. Patético!

- Sim... Quer dizer, não! Eu moro aqui perto, mas não aqui exatamente... Mas você não devia estar trabalhando uma hora dessas?

- Advinha... - disse levantando uma das sombrancelhas.

- Dispensado!?

- Exatamente! Não pertenço mais ao quadro de funcionários do Napoleon... Foi assim que eles disseram. Deram a notícia pra você de manhã, e pra mim no fim do expediente, sacanagem né?

- Eu já imaginava... Como a dona Vilma disse, pra você aquilo tudo era como diversão, sei lá, um passa tempo.

- Era meio isso mesmo, eu só trabalhei lá por que não dá pra pedir dinheiro pro meu pai toda vez que eu quiser alguma coisa né... Eu precisei me virar...

- É, fez muito bem...

- Mas e você, ainda não me disse onde você mora...

- Então, eu já disse que é por aqui... Mas é meio longe...

- Já entendi, não quer me falar né? É por causa dos seus pais?

- Não...é que... - não tinha a mínima idéia de como fugir daquela situação!

- Tá bom, não precisa falar se não quiser. Mas agora que eu sei que você mora por aqui, e agora que você também sabe onde eu moro... Se quiser aparecer lá em casa, está convidada! Voce já tem meu número, é só me ligar.

- Tá bom, valeu... Eu tenho que ir agora...

- Mas já? Porquê? Você tá tão esquisita...

- Não... Não é nada, é que a gente está com umas visitas chatas em casa sabe, e eu fiquei de levar alguma coisa pra o café da manhã... É só isso...

- Sei... Então tá bom, a gente se vê.

- É... A gente se vê...

Caminhei na direção contrária o mais rápido que pude, e ver minha mentira quase indo por água a baixo, me deixou mais mau humorada do que eu já estava! Passei na padaria mais próxima e peguei alguns pães, margarina, leite... E fui correndo pra casa depois de me dar conta de que demorei mais do que o esperado. Assim que cheguei não vi a Vitória na cama, senti um gelo no coração... Chamei por duas vezes e nada, quando percebi a luz do banheiro acesa fiquei mais aliviada, mas quando abri a porta, ela também não estava lá!

- Onde essa menina se meteu! - resmunguei irritada.

Lembrei que não tinha trancado a porta quando saí. - Droga! - olhei para o meu guarda roupa e... Eu também não lembrava de ter deixado as portas abertas... Fiquei me perguntando o que ela teria aprontado, e me lembrei quando ela disse algo sobre "roubar doces" na primeira vez que nos vimos. Corri para ver se dava falta de alguma coisa, e dei falta de algumas roupas.

- Ladrazinha! Como eu sou idiota! - não contive minha frustração e sai esmurrando as portas do guarda roupa - Mas eu vou achar você Vitória... Ah eu vou! - saí como um furacão pela porta do apartamento, eu tinha achar aquela garota!

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